Ele sentou-se ao meu lado e se apalpava nervosamente. Parecia tapar os furos do seu corpo por onde vazava rindo, uma tristeza prisioneira. Um instante depois, rendeu-se e parou. As mãos postas, enfiou-as entre as pernas fechadas. Os pés, em ângulo obtuso. Bicos encostados, calcanhares afastados.
Crônica de Natal
Tenho tentado parir uma crônica de Natal que não seja piegas ou alienada. Os tempos andam pra lá de bicudos, muitos problemas ainda a serem resolvidos, os mesmos de sempre: política, corrupção desenfreada, crises, violência, saúde, ensino…, o diabo.
Eu bem podia pensar num texto
Os Braços de Morfeu
A velha rotina de acordar com a nesga de sol batendo em cheio no rosto ainda haveria de desaparecer. O que custava fazer a barra da cortina, subir numa escada e pendurar um por um os rodízios todos? Ahhhhh… preguiça desgraçada a da terça! Se pusesse a cortina, pelo menos nunca mais acordaria
Plantação de Velhos
Quase quarenta anos depois, faço a pé o mesmo trajeto na cidade grande. Na esquina, o edifício onde eu morava. O prédio já era velho naquele tempo, agora está um caco. Cinzento, lúgubre, a sujeira de anos e anos acumulada na sua fachada feia. Imaginava-o implodido para ceder lugar a um prédio
Urgência
Foi tão estranho. De repente, entrei na sala e vi a mesma cena que, há tanto tempo, no meu tempo de menina, via. O controle remoto quase caindo da mão, o corpo em concha, os olhos candidamente fechados. Nenhuma urgência.
Meu pai dormindo num domingo à tarde. Imagens dançaram em carrossel,
A Usina De Arroz
A usina ficava em uma casa de fachada bonita, onde havia contornos nas janelas e na porta dupla, em uma transversal da Rua da Itália. O dono da usina era Fidelis, meu primo.
Foi da usina de beneficiamento de arroz que ele ganhou o terceiro apelido: Fidelis do Arroz. O primeiro apelido ele já
Um Santo Cabeça-chata
Uma beatificação controvertida, contestada, impugnada, a de Giovanni Maria Mastai-Ferretti, o Papa Pio IX. Acusam-no de anti-semita, autoritário, e extremado conservador. Pio IX comandou o Vaticano entre 1.846 e 1.878. “Eu sou a Igreja, eu sou a tradição”, teria repetido com freqüência,
Otávio Vira Otário
Otávio tinha uma fazendinha perto de Tabuí. Um gadinho leiteiro, uns capados, porcos de cria, galinhada, cafezal e o diabo a quatro. A fazendinha sustentava Otávio. Acontece que a carestia pela região tava grande demais. Ninguém com dinheiro. Otávio não tinha a quem vender sua produção. E
Quase Natal
Diferente é o ar que se respira na cidade.
Apesar da chuva, do vento cortante, do frio que penetra nas camadas de roupa, dos guarda-chuvas que se voltam ao contrário, do trânsito caótico, dos pedintes postados em esquinas estratégicas, mãos sujas, estendidas à caridade, uma esmolinha,
Tolerância Zero
A frustrada tentativa do brasileiro em dissimular a ignorância
Não tenho muita certeza se isso é bom ou ruim, mas as pessoas, de um modo geral, não costumam perdoar gafes de ordem, digamos, intelectual, sobretudo de gente do meio artístico, mais admirada por fatores estéticos do que propriamente