Os Cinco Irmãozinhos

O mundo andava quieto naquele tempo. Os homens não falavam nem escreviam e moravam em cavernas, enfrentando chuvas e tempestades. Era mesmo tudo muito escuro e Deus não estava contente.
Foi por isso que nasceram os cinco irmãos: Ana, Edu, Iná, Otávio e Ugo. Mas deixa eu contar a história direitinho:
Era uma noite muito escura e os homens, porque não sabiam falar, não contavam nenhuma novidade. Deus, lá do céu, ficou meio que entediado com o canto triste da coruja e o cricrilar dos grilos e resolveu inventar um jeito de os homens fazerem alguma coisa que nunca antes haviam feito.
O resto você já sabe: da noite escura nasceram os cinco irmãozinhos, uns bem diferentes dos outros. A Ana tinha cabelo enroladinho e foi a primeira a apontar a carinha. A segunda foi a Iná. Sabe por quê?
É que um dos trogloditas (bem feio e forte, usando roupa de couro de onça), filho do chefe da caverna, cortou o dedo numa pedra. Aí, a Ana deu um empurrão na Iná e o homem gritou bem forte:
– Ai!!!!!!!
Foi a primeira palavra que o mundo ouviu: ai! E foi dita assim com um grande desespero, que o corte era mesmo fundo.
Imagina a cara de espanto de todos os habitantes da Terra! Ninguém sabia que se mexesse a boca um pouco podia emitir som: ai!
Depois, um começou a olhar para a cara do outro dizendo “ai”. E ficaram tão felizes que até o homem que cortou o dedo esqueceu da dor!
Na mesma noite, o troglodita foi enviado para uma missão: teria que ir de caverna em caverna até o fim do planeta e dizer “ai” para que todos descobrissem que, se mexessem com a boca, surgiria um som.
Só que não deu certo, porque o corte estava mesmo doído e não dava para andar. Decepcionado, abriu a boca e saiu:
– Ia…
Descobriram, então, que era possível emitir outro som se a Iná também empurrasse a Ana.
Para completar, nasceram também o Edu e o Ugo:
– Eu ia.
E o espanto foi geral. Já não ficariam limitados a apenas uma ou duas palavrinhas! Poderiam juntar os irmãozinhos e formar dezenas delas. Poderiam mesmo sair por aí conversando. As noites não seriam mais tão escuras e Deus não ficaria mais entediado!
Finalmente, Otávio resolveu nascer também. E para isso, deu um chute bem no traseiro da Iná, que ele gostava mesmo era da Ana:
– Oi!
E aquele bando de gente começou a rir e a falar o tempo todo:
– Óia, eu ia. Aí, eia!
Foram só umas horinhas e lá surgiram a Bia, o Carlos, a Dani, o Fernando, o Gustavo, o Hélio, a Juliana, a Katia, o Léo, a Maria, a Nair, o Pedro, a Quitéria, o Ricardo, a Silvia, a Tatiana, a Viviane, o Willian, o Xisto, o Yuri e o Zé.
Chegaram e foram logo fazendo festa, brincando de esconde-esconde e pega-pega. A Bia correu atrás da Ana, que correu atrás da Tatiana. Aí, a Tatiana foi pega pela Ana e começou a correr atrás dela. Logo o filho do chefe, que era o mais admirado com tudo, tão logo viu a mãe chegando com uma enorme e apetitosa comida, falou:
– Batata. ­ e apontou para a mão da mãe.
E assim surgiram todas as palavras do mundo, todas numa só noite bem escura, lá no tempo das cavernas.
Depois que o rapaz sarou, resolveu partir pelo mundo para espalhar a novidade: podiam falar, viu? Podiam sim!
E foi passando de caverna em caverna, emitindo sons que os moradores copiavam.
Com o tempo, já bem velho, de barbas brancas e quase cego, o rapaz deu por encerrada a sua missão e resolveu fazer o caminho de volta.
Levou foi um susto!
Na primeira, a menina não chamava o cachorro de “cão”, era “dog”! Aproximou-se e falou:
– Menina, não é “dog”, é “cão”!!!!
Ela olhou para a cara dele e se pôs a rir, não tinha entendido nada. Vai ver era porque aquele homem estava meio velho demais, devia ser louco, meio gagá.
– I don’t understand. What?
O homem falou e falou e a menina ficou com medo:
– Mammy, come here, please!
Veio a mãe toda esbaforida. Ao ouvir aquelas palavras ininteligíveis da boca do homem, saiu correndo com a filha para dentro da caverna.
O homem ficou parado, pensando. A menina devia ter algum problema, meio tantã…
E foi embora. Na outra caverna, resolveu ser simpático:
– Olá. Muito prazer em conhecê-la.
Esticou a mão para cumprimentar a moça de olhos vivos, que respondeu:
– Bonjour. Je ne comprends pas. Pourriez-vous parler plus lentement, s’il vous plaît?
Dessa vez quem saiu correndo foi o homem. Quando passava pelas cavernas, acenava e pronto. Aquela gente era estranha demais, por favor!
Num dia chuvoso alcançou a sua tão sonhada e querida caverna. Ah, quanta saudade!
Abraçou pai e mãe (já estavam tão velhos que não sobrava um só dente na boca, tremiam bastante também) e contou todas as novidades.
Disse que o mundo era muito grande e esquisito e que as pessoas falavam coisas engraçadas e assustadoras, que ele nem entendia absolutamente nada.
Fez palestras para as crianças e as aconselhou a nunca saírem sozinhas de casa, era perigoso demais, as pessoas eram malucas.
E foi assim que o homem aprendeu a falar e descobriu, bem mais tarde, que cada povo tem sua própria língua.
… e pensar que tudo começou com o nascimento de cinco irmãozinhos…