Procuro o rapaz ideal. Alguém que seja especial, porque eu sou muito especial. Uma vez, caminhando pelo calçadão depois de ter saído da academia de ginástica, comentei com o Mexi que ele era uma pessoa muito especial. Quando acabei de dizer isso, ele parou de andar e ficou me encarando com um olhar que teria secado um lírio, me desconcertou sua reação, instintivamente só consegui mostrar-lhe um ingênuo sorriso, daqueles mais idiotas, enquanto mentalmente repetia para mim mesma: Lourdes, Lourdes, qual foi o fora que você deu agora? O Mexi não aceitava que as coisas se manifestassem assim “sem mas nem por quê”, como costumava dizer minha mãe, não senhora, com ele se tinha que saber o quê e o porquê das coisas. Ai meu Deus! Só de pensar nisso me dava uma preguiça mental que pareciam duas. Por sorte, o Mexi, com a paciência de um santo, utilizava um método meio esquisito que me libertava do cotidiano congestionamento cerebral de idéias de que padecia. Começava fazendo perguntas, todas elas bem fáceis, as quais eu respondia simplesmente com um sim, com um não ou com uma resposta que, na maioria das vezes estava contida como alternativa na própria pergunta. Dessa maneira, ambos tecíamos uma rede de respostas relacionada com o assunto de nosso interesse que nos fazia vislumbrar, mais ou menos, o que era, o que não era ou o que podia chegar a ser nossa percepção do objeto. Esse tipo de aeróbica mental me fazia sair do coma intelectual em que me encontrava naqueles dias. As regras às quais se submetia o método pergunta-resposta do Mexi, também não requeriam um, por assim dizer, extraordinário esforço para sua execução. Primeiramente, somente bastava me lembrar das respostas que eu dava, depois, o mais importante era que jamais, em hipótese alguma, as novas respostas que iam surgindo podiam contradizer-se com as que já tinham sido dadas anteriormente. Dessa maneira, por mais incrível que parecesse, eu sozinha ia configurando em minha cabeça o conceito. Isso era precisamente o de que eu gostava no Mexi, de que me guiasse para encontrar respostas a questões fascinantes e de alto nível como os conceitos de vida e morte, de amor e ódio, de sinceridade e mentira, etc. Fazia me sentir menos estúpida, sobretudo quando enfrentava a calamidade de companheiras que me rodeavam na escola. Ui! Era como ser superior às outras. Que nível! O Mexi me dizia que encontrar as respostas às perguntas, nos fazia parir a verdade. Só de escutar essa palavrinha “parir”, eu ficava nervosa. Seja o que for, eu tinha uma paixão imensa por ouvi-lo todos os dias.
Bem, aconteceu que nesse dia em que eu disse para o Mexi que ele era uma pessoa muito especial, meu objetivo era dar-lhe, enquanto pessoa, um grau de distinção positiva. Mas para o Mexi, ser considerado uma pessoa muito especial, eqüivaleria a ser uma das seguintes três categorias, todas elas negativas, evidentemente: primeira, ser medíocre; segunda, não ser mais do que um ignorante qualquer ou, terceira, sem rodeios, um monstrengo mutante. Que cabeça! As observações do Mexi faziam surgir, pela enésima vez, em meu carente mundo de idéias, emaranhados conceituais, desses que me faziam sentir que tinha o cérebro obstruído. Que angústia! Diante de tal confusão, ele me assegurou que me ajudaria a encontrar o conceito de pessoa muito especial para que, da próxima vez, eu soubesse em que condições deveria utilizá-lo. O marulho achocolatado no estuário rompia a monotonia da noite fresca. Alguns pássaros grandes e negros lutavam pelos restos putrefatos dos peixes mortos que o rio expulsava. De vez em quando uma ave noturna dominava com seu imponente vôo o céu diante de nós. Nós nos acomodamos num lugar que fica exatamente ao lado da palmeira de Juana de Ibarbourou e o Mexi começou o seu interrogatório. Ele me perguntou se eu reconhecia que uma pessoa muito especial era alguém que de alguma forma deveria destacar-se entre aqueles de sua mesma espécie, neste caso, os seres humanos. Minha resposta foi diretamente que sim. Então, ressaltava o Mexi, se eu vivia dizendo para ele e para todos os meus conhecidos que, fulaninho era muito especial por isto, fulaninha era muito especial por aquilo, que beltraninha era especial quem sabe por quê, e que cicraninha era também muito especial sabe Deus por que motivo, acontecia que, de acordo com minhas colocações, vivíamos num mundo cheio de seres humanos muito especiais. Que droga! Como o Mexi tinha razão, pois não era somente eu a que, por qualquer coisa, comentava que alguém era especial, todos os meus conhecidos faziam o mesmo, mas eu nunca tinha percebido isso, não tinha dúvida, o Mexi era extremamente observador. Fiquei pensativa, o abuso do conceito de ser especial tinha se tornado monótono na nossa sociedade, a tal ponto que já não significava grande coisa. Agora entendia por que o Mexi não percebeu meu elogio, simplesmente não existia nada disso ao chamar uma pessoa de especial. Que coisa, não? O Mexi continuou me interrogando sobre o fato de que se o mais burro da nossa sala se distinguia por isso, por ser o mais burro e que se isso lhe dava ou não o caráter de pessoa muito especial. Minha resposta, franzindo a testa, foi que sim, sim lhe dava. Então, o burro e ele, o próprio Mexi, compartilhariam a qualidade de pessoas muito especiais, simplesmente porque ambos se distinguiam, se esse fosse o caso, o Mexi me disse que preferia não ser considerado como parte das pessoas especiais, pois poderiam confundi-lo com algum distinto burro. Não havia saída, o filho da puta do Mexi tinha me encurralado! Percebi que vendo a coisa desse ponto de vista, o ser uma pessoa muito especial, dito assim sem mais nem menos como eu disse, não distinguia positivamente o meu Mexi. Que horror! O Mexi me disse com uma voz tranqüila que pelo menos agora, eu já sabia que não era conveniente utilizar o termo “pessoa muito especial” tão rápido, que os seres humanos em sua essência compartilham características comuns que erroneamente cremos que nos convertem todos em especiais, isso é verdade, mas somente diante de outras espécies, não entre nós mesmos. A pessoa que pudesse ser considerada especial, teria que destacar-se dos demais membros da espécie humana, me disse enquanto começava a rir, por ser um monstrengo mutante que possuiria, talvez, o terceiro olho ou o rabo de macaco juntos.
Nos dias seguintes, depois da escola, me sentava para tomar mate encima de um trampolim abandonado diante da brisa invernal do rio da Prata, passavam as horas e meu ego continuava pensando sobre o tema de sua própria negação como ser especial. Desse dia em diante, comecei a odiar mais as insossas conversas com minhas amigas nas quais elas costumavam começar ou terminar dizendo “eu sou muito especial” ou “fulaninho é muito especial”. Cansada, terminava dizendo para elas que seu conceito do que era especial, estava tão oco quanto suas cabeças. A menos que elas ou seus noivos tivessem um terceiro olho que piscasse em suas testas ou que exibissem, no mínimo, um rabo de macaco que lhes brotasse do cóccix, porque do contrário, para mim, elas e seus santos namoradinhos continuariam sendo uns magníficos imbecis tão medíocres quanto qualquer dos seres que pululam sobre a terra. As idiotas se ofendiam e iam embora, mas jamais me ofereciam argumentos para convencer-me de que alguém realmente merecia ser chamado de pessoa especial. Depois da raiva que me dava ter que lidar com gente tão fútil, ia ao jardim de rosas do colégio para me acalmar lendo algum dos livros que o Mexi me emprestava.
Naqueles dias, minha infelicidade não se limitava ao fato de analisar com angustia as contradições de minha vida. Aconteceu que os pais do Pino, o socialite da sala, iam viajar ao exterior deixando-o só em sua casa. O Pino tinha toda a grana do mundo e convidou a turma para uma festa. Espalharam o comentário de que isso era um pretexto para que se organizasse a maior desvirginização comunitária na história do bairro de Carrasco. Foi tal a comoção que, segundo se soube, toda a turma se encontraria lá, exceto, talvez, algumas das pouco decididas, como era o meu caso. Que terror! Não indo, me excluiriam com certeza do grupo, além de outros castigos que nós adolescentes costumávamos impor uns aos outros de maneira cruel. Por outro lado, eu achava incrível e me chocava a idéia de que guris de 14 e 15 anos planejassem essas coisas. Naquela tarde, como de costume, depois da academia, o Mexi me deixaria em casa. Quando chegamos na esquina onde eu morava com a minha mãe, pedi que me convidasse para tomar um café, queria falar com ele urgentemente. O Mexi me propôs que em vez de café, fôssemos comer um chivito. Aceitei logo, tinha fome. O Mexi trouxe para a mesa onde eu o esperava de pé, meu chivito sem picles como tinha pedido, precisava que ele me dissesse se era correto negar-me a ir a essa “festinha”, sobretudo na minha condição de virgem. O Mexi deu uma grande mordida no seu chivito, me olhou nos olhos com assombro e a primeira coisa que me disse foi que ele pensava que a virgindade já não era mais um assunto da atualidade entre moças da minha idade. Depois começou com sua típica maiêutica, ou seja, a interrogar-me sobre o que era para mim o correto e o incorreto. Pedimos dois refrigerantes diet e juntos descobrimos que, diante da impossibilidade de definir o correto do que não o era, fixar a atenção nessas coisas era certamente uma perda de tempo. Que o melhor seria agir em concordância com uma livre vontade, fosse ela moral, imoral ou amoral, pois não mudaria a essência desses invisíveis princípios, sejam corretos ou não, com os quais se vive dia a dia dentro da sociedade na qual nos foi determinado viver. Eu notava que as pessoas a nossa volta tinham se calado, estavam nos ouvindo com atenção. O Mexi continuava falando prolixamente e era verdade, se via a minha vida em retrospectiva, eu não era uma louca. Por conseguinte, por que teria que me preocupar com o “o que vão dizer” se ia ou não a um local onde se praticaria sexo comunitário? Conclusão, era incoerente a minha dúvida de ir ou não. O Mexi voltava a ter razão, tinha muitas coisas com que me preocupar em vez de perder meu valioso tempo considerando se ia ou não a um ato desse tipo. Minha alma descansava em paz, mas diante do incômodo olhar da clientela, propus ao Mexi que seria melhor que fôssemos a um café, algo mais íntimo. No caminho mudamos de assunto, aproveitei e contei para o Mexi as minhas inquietudes desse dia, ele me escutava sem interromper, confessei que me sentia atraída pela psicologia, mas que no final das contas me chamava mais a atenção ser modelo, por isso ia à academia de ginástica onde tínhamos nos conhecido e que hoje, por sinal, estávamos comemorando três meses desse feliz encontro. O Mexi levantava as sobrancelhas como se estivesse dizendo o que tem uma coisa a ver com a outra, a que ponto você quer chegar. Ui, que confusão! Eu me sentia estúpida por não poder escapar da superficialidade do meu discurso. Mas a presença do Mexi, não sei por quê, me animava a continuar contando-lhe minhas coisas, mesmo que fossem incoerências ou infantilidades. Conversamos sobre idiotices e estupidezes, falamos sobre sua uma hora de jogging pelo calçadão e de suas duas horas de musculação que o tinham deixado muitíssimo bem fisicamente. Era lindo ser ouvida por ele, era lindo de verdade. Ainda me lembro de como rimos quando, sem misericórdia alguma, criticamos a severa vigilância do instrutor da academia, Carlos, enquanto o Mexi o imitava mascando seu palito de dentes. A academia se chamava “Energym” e íamos a ela quase religiosamente todos os dias depois das sete da noite. Naquela noite, passamos horas e horas conversando sobre como trabalhávamos nossos corpos. Lembro que o momento chegou ao ponto em que eu me coloquei de pé e ele mediu com suas mãos minha cintura e me levantou com tremenda facilidade. Ufffa! O Mexi tinha o tronco forte e apesar de que lhe faltava um pouco de bunda, comecei a considerá-lo, do ponto de vista físico, bastante aceitável. Depois de bebermos várias águas minerais com gelo averigüei que ele tinha a mesma idade que minha mãe. Que surpresa! Mas nem parecia ter essa idade de forma alguma, parecia um guri de vinte e dois.
O fato de continuar sendo virgem me tirava o sono. As meninas e os rapazes que foram à festa, segundo me comentaram, se divertiram pra valer. Muitos deles sentiram que tinham se livrado de um grande peso. Ninguém forçou ninguém e as coisas aconteceram numa boa. Deveria ter ido? Se apoderou de mim um sentimento de culpa que ameaçava transformar-se numa frustração. Como uma droga da qual não se podia escapar, senti a necessidade de falar com o Mexi.
Na hora de sempre, nós dois saímos da academia. Tínhamos combinado que nesse dia o Mexi me deixaria conhecer sua coleção de livros. Eu me dei de cara com uma lindíssima cobertura localizada em pleno bairro de Pocitos, a decoração interior me deixou impressionada pelo gosto tão sóbrio. De seu equipamento de som saía uma música suave, quase hipnótica. segundo a vontade do Mexi, diminuía ou aumentava a intensidade das luzes da sala e dos quartos. Comecei a folhear um por um os seus livros, me ofereceu qualquer tipo de bebida, desinteressadamente me decidi por uma garrafa verde muito atraente, era menta. Em minhas mãos tinha um livro grosso, desses que nem morta leria, seu título era “Os Diálogos de Platão”, seu favorito. Serviu um pesado copo de cristal cheio de gelo que ele mesmo picou num aparelho especial. Colocou uma rodela de limão à qual se encontrava aderida uma cereja natural e brindamos. Foi aí que ele me iluminou ainda mais com sua sabedoria de guru. Disse que era lógico que os rapazes de minha escola fizessem coisas em grupo, sobretudo no Uruguai onde o conceito de turma era muito popular. Assim a desvirginização comunitária podia ser aceita como algo natural, além de ser uma maneira de evitar o choque de uma desvirginização personalizada. Uauuu! Que capacidade de observação a do Mexi. Eu comentei que preferia a personalizada, pois supostamente deveria ser mais emocionante. Estava tão contente com o que eu aprendia na conversa dessa noite que não resisti à vontade de convidá-lo para dançar. Que coisa, bastou ele me pegar pela cintura, que tive um desejo louco de beijá-lo. Por sorte, o Mexi correspondeu aos meus anseios e de repente, uma sensação de vazio se apoderou de meu estômago. Minhas entranhas começaram a arder. Não podia acreditar, senti que tinha chegado o momento que sempre havia esperado e nem mais nem menos que com o Mexi. Nem planejado teria saído melhor. Sem que eu percebesse, seus braços me depositaram numa cama para a qual se tinha que subir seis degraus com carpete. Estava possuída por uma sensação que me mantinha flutuando entre as nuvens do relaxamento. Inconscientemente, tiramos as roupas e pude ver esse corpo bem malhado. Observei algo mais e fiquei pasmada. O primeiro membro viril ao vivo e com todas as cores que eu via em minha vida! Quando estava começando a experimentar a emoção de ver sua ereção aumentando, senti que seu peso delicadamente se colocava contra o meu peito. Começou a sacanagem com beijos, abraços, carícias, mordidas, arranhões, punhetas, etc. Mas não sentia nenhuma penetração. E aí? Perguntei com voz firme. O Mexi me pediu algo insólito, eu tinha que dar meu consentimento explícito para ter uma relação sexual. Puxa vida, estar aí totalmente pelada era o consentimento mais explícito que eu era capaz de dar. Ao ouvir isto o Mexi meditou e me disse, como se estivesse se desculpando, que talvez eu tivesse razão. Mas e ele? Foi então que me deixou com a boca ainda mais aberta. Perguntou se me interessava ou não escutar a sua opinião a esse respeito. Ajoelhados um diante do outro, eu me dispus a escutá-lo com atenção, as coisas entre duas pessoas se decidem previamente falando, me disse em tom sério. Para não perder a emoção do momento, perguntei rapidamente se ele consentia em possuir-me e nesse momento, sem esperar sua resposta, montei nele num pulo. Ele me beijou na bochecha e com uma cara da mais infinita ternura que eu podia perceber, me disse que sim, mas, “não na primeira vez”. Fiquei fria. Não na primeira vez? O Mexi me explicou que não queria ser o primeiro em me penetrar porque não se considerava a pessoa ideal para ser o homem mais importante na história de minha vida, como se sabe, me disse, as lembranças mais intensas só se referem ao primeiro, ao melhor e ao último, e apesar de que raramente se juntam as três em uma única pessoa, era sempre o primeiro homem na vida de uma mulher quem evocava as horas de recordações mais intensas e inspiradoras. O resto dos namorados no meio disso, simplesmente não importa… não conta. Pum, me matou! O Mexi respirava sabedoria e experiência, não tinha dúvida. Bom, enfim, paciência. Diante dessa atitude me veio a idéia estratégica de me abrir totalmente e confessar que era de minha livre vontade entregar-me a ele. Perguntei se isto resolvia a situação e então mãos à obra, não? Tomou um gole de minha menta, pressionou a cereja de um vermelho aceso entre os lábios e sorrindo me ofereceu. Como sabia requentar o forno o malandro! Isto me pôs novamente no ritmo. Aceitei a cereja com meus dentes e comecei a tocar todo o seu corpo. Sua ereção era potente. Nessas condições, como podia negar-se a fazer-me sua? Mas, não aconteceu, voltou a interromper tudo com palavras. Pela primeira vez, senti que o Mexi dizia idiotices, dizia que isto se relacionava com a sua não sei o que eutrapelia e outras besteiras às quais eu não dei nem bola. Beijei-o com todo o amor que eu era capaz de dar. Ainda suando, pensei melhor, se ele fazia ou dizia as coisas era por algum motivo, talvez fossem seus princípios ou o que eu começava a suspeitar que era: um grande trauma. Achei que o melhor era respeitar essa situação que podia acabar em algo chocante, com uma imensa paixão que se aprisionou primeiro no meu zíper e logo no de sua calça, nós nos vestimos um ao outro sempre olhando-nos cara a cara, algo inexpugnável havia nesse rosto sereno e eu tinha que saber o que era. Minha cabeça começava a preocupar-se e isso dava como resultado o maquinar pensamentos. Bárbaro!
Mais tarde, descemos do décimo segundo andar e fomos a um bar. Já íamos abraçados como o mais feliz dos casais. Aí encontramos alguns amigos da turma. Jogamos bilhar, dardos, etc. Meu olhar pensativo, nunca se distraía da figura do meu gato. Estava totalmente cativada por tudo o que tinha significado sua forma de ser. Ele se aproximava e me beijava. Caramba, é assim que se beija! Sentia a sua língua por dentro como se quisesse tocar o crucifixo que trago pendurado na gargantilha comprada no mercado de pulgas de Tristán Narvaja. Com isso, todos já tinham percebido que estávamos namorando. Que finalmente ele e eu tínhamos algo. No outro dia fiquei sabendo que as pessoas criticavam o Mexi por se meter com uma menina como eu. Não dei bola para esses comentários. Por outro lado, todas as minhas companheiras da academia me faziam perguntas das mais estúpidas. Surpreendeu-me que ninguém tivesse tido alguma coisa com o Mexi, ainda. Pelo visto, o cara era um mistério para todas as fêmeas de xoxota quente que faziam aeróbica comigo. Apesar de que na hora da malhação nem nos falávamos por estar cada um em sua rotina, fora dali o desejo de ambos ia aumentando. Esfregávamos nossos corpos em sua banheira de hidromassagem, no sofá, sobre o tapete, na cozinha, dirigindo, em qualquer lugar. Estava muito feliz. Muito tempo passou e eu continuava queimando por dentro. Minhas notas baixaram, não podia me concentrar na aula. Um dia pedi ao Mexi para passar pela minha escola. Todas as adoráveis piranhas desdentadas de minhas colegas ficaram boquiabertas quando viram o carro do meu gato. Que monumento de homem tinha conseguido uma menina como eu, seria o que andava pensando, com certeza, cada uma delas. Naquela noite, quando ele ia tomar banho, decidi falar mais detalhadamente sobre o assunto das complicações ou o que eu ainda considerava como uma besteira de não querer ser o primeiro homem comigo. Com habilidade ele se esquivou do assunto no princípio. Porém, quando viu minha cara de chateada, com um profundo suspiro me perguntou se verdadeiramente eu me interessava em saber o que significaria para ele se meter com uma menina que acabava de completar seus catorze aninhos… eu o interrompi, encontrar excesso de ternura talvez? Ele me respondeu negativamente com a voz tranqüila, depois saiu do chuveiro, abri o máximo possível meus olhos (que animal, meu Deus!) y disse que meus catorze aninhos para ele significavam 40 anos em cana, “você é menor de idade”. No princípio, como era lógico, fiquei com mais raiva do que um bicho selvagem. Estaria o imbecil pensando que eu seria capaz de me rebaixar fazendo chantagens ou denunciando ele para a polícia como corruptor de menores? Mas percebi que a coisa não era assim, que estava fazendo julgamentos precipitados injustamente. Ele se referia ao que poderia pensar a minha mãe. Confessei que ela estava sabendo das minhas saídas com ele. Até que ponto ela sabia? Hesitei ao responder. Argumentei que, com certeza no país dele como no Uruguai, não se tinha o costume de falar “tudo” para os pais da gente. O Mexi, sem contemplação alguma, me deixou ouvir o sermão numa das mais áridas montanhas, falou sobre as implicações do tipo penal que significavam para ele meus 14 anos, além de, como já disse, não querer ser o primeiro homem de minha vida. Meu sexto sentido indicava que ali continuava a ter gato escondido. Fui firme ao perguntar por que eu teria que pagar por algo que não tinha tido nada a ver comigo. Com uma calma cruel, ele me silenciou dizendo que não me amava o suficiente. Mas eu respondi que ele sabia que isso era o de menos, pois em suas maiêuticas anteriores tínhamos concluído que o amor não requeria para se realizar a correspondência do ser que é objeto ou destinatário de nosso amor. A gente ama, pronto e acabou! E eu o amava mais do que a minha própria vida. Naquela noite chorei muito, não porque não me amasse, que fique claro, mas porque ele me negava a oportunidade de entregar-me ao único homem que eu considerava digno de ser o primeiro, logo seria um cara qualquer, sei lá; mas o primeiro, eu daria a minha vida para que fosse ele, mesmo que não me amasse. Parece que o comovi. Como se quisesse me dissuadir, habilmente me propôs que, diante de minha condição de menor de idade, se fazia absolutamente necessário que minha mãe soubesse de tudo sobre minhas intenções e lhe desse seu consentimento explícito para ter relações sexuais. Minha mãe! Os meus ombros caíram como se fossem as encostas do Fuji Yama, mas de repente, uma luz de esperança iluminou meus olhos de alegria. Apesar de que eu sabia que era uma forma de se sair pela tangente, aceitei o desafio. A partir daquele dia, minha mente não pensaria em outra coisa, tinha que falar com a minha mãe, o mais rápido possível. Sentia que me consumia uma estranha necessidade de provar de tudo com o Mexi.
Minha mãe e eu sempre fomos boas amigas. Foi um frio domingo ensolarado, no qual, como de costume, almoçamos no velho mercado do porto. A carne estava ótima, minha mãe, pelo contrário, estava um pouco deprimida. Naquele dia se completavam os 14 anos da data em que meu pai a tinha abandonado, justamente um mês depois de eu nascer. Coitada, tudo isso a tinha convertido numa mulher que aparentava ter muitos mais do que os trinta anos que realmente tinha. Tentei animá-la descrevendo a boa cor da carne. Quando ia morder um bom pedaço, disse de supetão que já tinha ido para a cama com um homem e que, para completar, ele tinha sua mesma idade. Falei demais. Ela ficou estupefata deixando o garfo com o pedaço de churrasco bem passado na metade do caminho. Mesmo sabendo que isso algum dia aconteceria, ela achou que era demasiado prematuro, tinha a certeza de que eu estava saindo com algum pervertido. O olhar cabisbaixo de minha mãe que parecia concentrar-se na perseguição que meu garfo fazia de umas ervilhas desobedientes, foi o preâmbulo para que ela me contasse, pela primeira vez, a versão completa do que tinha acontecido quando ficou grávida. Segundo ela, meu pai a chamou para ver uma interessante coleção de discos de rock em sua casa, (algo em meu cérebro me conectou de imediato com a imagem na qual eu me via folheando com interesse os livros do Mexi em seu apartamento), depois lhe ofereceu umas balinhas (me lembrei da cereja vermelha) e pronto, aí ele se atirou sobre ela e assim ficou grávida, enquanto mordia as suas balinhas (eu me via divinamente possuída mordendo minha suculenta cereja). Então o meu pai foi apenas um tarado pervertido. Fiz como se meu olhar se paralisasse diante de seu relato, na verdade, eu achava que o que aconteceu com ela tivesse sido um pouco, como poderia explicar, mais romântico, não tinha dúvida de que a única coisa que minha mãe aproveitou naquele dia foram as balinhas. Antes de que a coisa se tornasse mais dramática, e no mesmo momento em que tinha a sorte de pegar as ervilhas com o meu garfo, a acalmei dizendo que a estava consultando porque por incrível que parecesse, ainda permanecia virgem. Dessa vez foi o garfo com a salada que ficou na metade do caminho, seu rosto passou da amargura para a surpresa. Pausadamente levei as ervilhas à boca e expliquei que estar na cama com alguém não significava, necessariamente, transar. No princípio minha mãe pensou que eu tinha resistido às investidas do tal cara. Então eu a vi recuperando seu semblante de mãe orgulhosa e começou, com certo entusiasmo, a cortar pedaços de chinchulines e de chouriço que pareciam muito apetitosos, momento esse em que aproveitei para anunciar que se alguém tinha se defendido de assédios, tinha sido ele e dos meus. O chinchulín e o chouriço ficaram na metade do caminho. E que estava decidida a perder minha virgindade com o amor da minha vida. Minha mãe, apesar de ter demorado um pouquinho, finalmente entendeu que estava enfrentando uma decidida jovenzinha do século XXI. Dessa forma ela mudou sua atitude para uma mais compreensiva. Era a oportunidade que eu esperava, agora aplicaria o infalível método “Mexi”. Já estávamos na sobremesa. Minha mãe, que tinha pedido um “romeu e julieta”, se opunha a uma perda de virgindade precoce, argumentava que isso iria provocar em mim problemas emocionais que poderiam marcar minha vida sexual futura. As perguntas que eu lhe fiz começaram por obrigá-la a refletir sobre o que poderia ter acontecido se lhe tivessem dado a oportunidade de escolher, coisa que não ocorreu. Indaguei se teria optado pela pior ou pela melhor opção. Ela me respondeu que a última, naturalmente. Como melhor opção, reconheceu que era aquela em que se tem um respaldo emocional produto da maturidade, da experiência. Pois bem, se essas eram suas condições, que pensaria de si mesma se ela solicitasse que os filhos jovens, antes de mais nada, ouvissem os seus pais? Certamente isso seria o correto, minha mãe se sentia ganhadora, ela era a que tinha experiência, maturidade. Bem, perguntei então o que pensaria do Mexi, sendo que foi ele que teve a idéia de que eu falasse com ela primeiro e lhe pedisse que desse o seu consentimento explícito para que ele pudesse ser o primeiro homem de minha vida. A cara de incredulidade de minha mãe era um poema digno de ser talhado em mármore de Carrara Ele? Claro! Respondi com um sorriso triunfante. Por acaso não era a posição mais honesta, mais madura e mais lógica que qualquer homem poderia tomar, dadas as circunstâncias do meu caso “sui generis”? Minha mãe tinha caído na teia de aranha maiêutica, não havia saída. O Mexi e eu vínhamos abertamente, sem nada escondido, querendo compartilhar com ela de um momento importante. Um guri passou ao nosso lado vendendo balas, minha mãe o mandou embora impaciente, eu o detive, dei-lhe umas moedas, peguei uma balinha, coloquei-a na boca e comecei a saboreá-la com exagero diante da minha mãe. Se a vida permite, disse eu, cada uma saboreia a bala de sua vida como melhor lhe pareça, eu disse. Creio que entendeu a mensagem porque seus olhos mudaram mostrando um amor e uma ternura que confirmaram minhas esperanças de que podia contar com ela. Minha mãe cedeu todo o terreno e entramos nos típicos detalhes de como era ele. No caminho de casa , eu falei a vontade e coloquei todos os enfeitinhos na árvore de Natal. Eu avisaria sobre o dia e a hora para que ela estivesse pronta para dar seu consentimento.
Superado o obstáculo “consentimento da mãe”, já somente faltava tirar da cabeça do Mexi a idéia de não querer ser o primeiro homem de minha vida e isso com certeza estava relacionado com algo que eu suspeitava: se tratava de algum trauma. Eu me preparei. No outro dia, em vez de uma, fiz duas horas de aeróbica, estava no ponto. Minha mente estava fechada para limpeza, varri todas as idéias estranhas e me concentrei num só objetivo, o Mexi.
Foi uma noite com muito vento, a areia das praias desfilava em louca corrida pela orla, subimos uma pequena colina de onde se vislumbrava um diferente rio da Prata agressivo. O Mexi pôs a música da qual, segundo ele, gostava Carl Sagan e se dispôs a escutar-me. Eu ia dar início a um inteligente jogo de perguntas e respostas, quando o Mexi pôs a ponta de seu dedo no meio dos meus lábios, aproveitei e lambi suas digitais, aí percebi que ele ia falar, tirar tudo o que tinha preso dentro de si. Naquela noite eu soube por que o Mexi não gostava de ser o primeiro homem. Catorze anos antes, no seu país, ele tinha tido sua primeira namoradinha. Ambos tinham se desvirginado juntos. Segundo ele, tinha sido lindíssimo. Por esse ou aquele motivo, dois anos depois terminaram e cada um foi para seu lado. Ele passou anos em diferentes missões fora de seu país e ela, aproveitou o tempo para ter três filhos com três homens diferentes, resultado das contínuas visitas aos motéis do seu bairro. Justamente, no ano passado, o Mexi decidiu passar, depois de anos de ausência, as férias em seu país. Foi quando, surpreendentemente, ela ligou para ele. Combinaram de se encontrar como velhos amigos. Aquele reencontro ia muito bem, até que chegou o momento daquelas típicas confissões que se fazem os ex-namorados quando já não há nada de interessante da parte de um com o outro. E foi dessa maneira que ela, sem mais nem menos, disse ao Mexi que, “a verdade verdadeira era que ele não tinha sido seu primeiro homem”: um comissário de bordo da Mexicana de Aviação tinha aparecido primeiro umas semanas antes num desses vôos rápidos que vão de Guadalajara a Acapulco. O silêncio que se seguiu à confissão do Mexi se interrompeu por um raio sem trovão vindo do lado de um cemitério que estava atrás de nós. Fixou seu olhar no meu e sem dizer nenhuma palavra me beijou com ternura. Meu instinto estava certo todo o tempo e agora o Mexi se libertaria dessa pesada carga e eu percebia que teria que saber como levá-lo com responsabilidade naquele momento íntimo que, com certeza, se converteria no mais importante de nossas vidas.
Lembro-me perfeitamente de que havia uma lua brilhante. O telefone-fax ao lado da cama de barras de latão dourado tocou. Sabendo que era ela, respondi, rápido passei o telefone para o Mexi. Com dificuldade se escutavam as palavras de uma mãe emocionada que agradecia ao Mexi por sua atitude com a qual demonstrava imenso respeito por ela e por sua filha e que graças a isso, o consentimento para ser o primeiro homem na vida de sua pequena o dava com toda sinceridade naquele instante, “trate bem dela e sobretudo faça-a sentir-se mulher”. Eu com os meus botões, sabia que minha mãe estava feliz porque, de alguma maneira, corrigia em mim a oportunidade que a vida não lhe deu. O Mexi por sua vez, apesar de nunca ter dito isso pra mim, ia enfrentar uma situação difícil, eu sabia, pois a vida tinha jogado cruelmente com os seus primitivos sentimentos machistas. Que incrível! Sendo tão inteligente como era. Naquela noite, nós dois estivemos nervosamente jocosos ao princípio, mas pouco a pouco, a necessidade que sentiam nossos corpos se impôs finalmente, compondo um hino de amor indelével.
Bem, já passou algum tempo desde aquele dia. Minha mãe reviveu de repente e, alguns meses depois, se casou com um aposentado. Estou esperando uma irmãzinha! O Mexi, sem tragédia no meio, regressou ao seu país e hoje é “o anônimo galã que evoca as horas de lembranças mais intensas e inspiradoras”. Quanto a mim, fico feliz por ter descoberto que apesar do racionais que possam ser certos argumentos, a mãe que tenho, o primeiro homem de minha vida e eu mesma, não necessitamos ter o terceiro olho e o rabo de macaco juntos para sabermos que aquilo pelo que a vida nos fez passar, nos co