A moça saiu de casa a procura de um emprego, mas pediram um currículo. Claro, é praxe. Passou o currículo e já foi entrevistada.
_ Então você está a fim de um trabalho? Tem alguma experiência e já fez algo pra alguém? _ Foi o que ela ouviu de um senhor lá na Agência de empregos. Era o dono de uma empresa
_ Ô cara. Eu não tenho aqui um currículo em mão, mas posso falar e até demonstrar o que sou capaz de fazer.
Preciso muito de um emprego. “Sem salário a gente perece”, isso é o que minha mãe vive a falar. Se bem que não estou muito a fim, mas pra dar um fim na persistência de minha mãe, resolvi procurar. Um detalhe, eu quero emprego e não trabalho.
_ Hum! Qual a diferença de emprego e trabalho, poderia explicar?
_ Que isso cara?! Larga de ser besta, pergunta idiota que nem merece resposta! Mesmo assim, explico o que é emprego: Um funcionário empregado tem mordomias tais como: Sai do local das tarefas a hora que bem entender, basta pra isso ter vontade de pular cerca, pode sair de férias a cada quatro ou seis meses, divide a mesma em frações e quando muito bem lhe convier, geralmente no Natal e no Carnaval; tem sempre um carro à disposição, resolve viajar em pleno dia útil de trabalho e diz que está a trabalho da firma, mata a sogra, a mãe, o pai,o parente ou um amigo, quando tiver vontade de enforcar o dia…
_ Péra aí! Matar sogra, mãe, pai, parente, amigo não faz parte do contrato a que vai assumir com o empregador?
_ Ó tu és maluco? Não quer dar o emprego, dá um trabalho mesmo, tô precisando de grana urgente. A gente mata sim, tu não sabes que o dia que dá uma vontade de dar uma ida na praia é só ligar para o patrão e dizer: não vou hoje porque morreu minha sogra. Quem vê pensa que o babaca dava muito valor na sogra. Outro dia morre o pai, dias depois morre a mãe, o primo, o amigo; e todos esses dias saem pra dar uma passeada, num morreu ninguém coisa nenhuma. Continua o rodízio de matar os parentes. Só o danado que nunca morre. Ah, um dia um cara matou a mãe dele, três meses depois a mãe dele morreu mais uma vez, um ano mais tarde ele matou a mãe pela última vez, porque descobriram que a mãe dele tá vivinha da silva lá em Fortaleza pulando carnaval. Foi demitido por isso.
_ Vamos deixar detalhe pra outra hora, fale mais de seu currículo. Eu perguntei se você tem experiência e o que você sabe fazer.
_ Tô achando tu tão besta! Se eu vier a ser empregada sua ou sei lá de que diabo for, primeiro serviço: eu escovo e engraxo o sapato do patrão lá na sala de trabalho dele. E procê meio cara de pau, escovo e engraxo agora, aqui mesmo no meio dessa gente que estão olhando com cara de bundão. Parece estarem gozando de minha cara. Traz lá uma escova e uma graxa, pra tu vê se num faço de verdade!!! Ó teu sapato tá sujo, cara.
_ Risos… Não. Já sei que você é capaz de matar sua sogra, seu pai, …engraxar sapatos, não estou duvidando nada de sua capacidade intelectual. Seu currículo é dos bons…risos…o cordão de puxa saco aqui já está muito longo. Já tem até o príncipe, o rei e a princesa dos puxas, se você vier pode ser que queira ser a rainha deles, daí o bicho pega. O rei dos puxas é aquele mocinho lá. O dedo dele vive engessado, dedo duro que só vendo! Dedo dele ta sempre dodói. Olhe pra você ver, o dedo indicador e o anular direito têm tamanhos iguais. Por isso o chefe ainda não o demitiu, menino adorado…
_ Que isso?! Cara. Sou solteira. Num tenho sogra não. Coragem eu tenho de sobra pra matar, e nem tô louca pra arrumar mais um entulho na minha vida não! Solteira é melhor. E se o mocinho é boiola (homossexual) isso é problema dele, não tenho nada contra! Azar dele.
_ Você continua omitindo, fale do outro emprego seu.
_ Num tô mentindo não cara!
_ Eu disse omitindo. Fale de seu último emprego.
_ Sim, vamos lá. Já trabalhei pra uma médica; tive que abandonar era muito chato, cansativo, tomava sete horas por dia do meu tempo, entrava às 09:00h só saía às 04:00h da tarde. Das 12:00h às 14:00h eu saía porque era horário do almoço.
_ Hum! Era mesmo um emprego heim? O que você fazia lá?
_ Ora! Trabalhava, seo Bó!
_ Pelo que entendi, você quer mesmo um emprego. Pelo seu modo educado de expressar. Sete horas por dia de trabalho, aliás, cinco, duas horas de intervalo pra almoço. Caso chegarmos a um denominador comum, aqui os turnos são de nove horas, sendo das oito às dezessete horas. Apenas uma hora de intervalo de refeição, entre
12:00h e 13:00h. E não poderá sair das dependências da firma. Nem vai sobrar tempo pra engraxar sapatos…
_ Mas o salário? As férias são de 30 dias? Recebe antes ou no retorno? Recebe parcela do 13º na saída das férias?
_ Mínimo. É o mínimo que podemos oferecer. E todos os direitos trabalhistas indiscutivelmente serão cumpridos na forma da lei.
_ Nossa! A médica pagava dois mínimos pelo meu serviço. Ah, tu dás comida também?
_ Sim, a gosto do funcionário. Dou quantas comidas necessárias forem. Comida de touco, comida de rabo, e refeição, claro, foi disso que você perguntou, aproveitei pra dizer sobre as demais comidas. Pra uma moça bonita, educada, simpática igual a você, estuda-se um modo de comer diferente. Mas antes diga o que você fazia no outro emprego?
_ Nossa! Como interessou saber mesmo heim? Sim, se tu me arrumares o emprego…aliás, isso já vale como uma entrevista?
_ Sim, já é a entrevista.
_ Então eu te conto agora como foi o outro emprego. Escute. No outro emprego eu lavei muito, não sabe? Lavei muito pra dona da máquina.
_ …Desculpe interromper! Mas quem era a dona da máquina, e de que máquina está falando?
_ Cara burro! Escute, depois pergunte. Não me interrompa! Se eu resolver xingar, nem o diabo me segura.
_ Tá bem, tô calminho. Continue.
_ Sabe, a máquina num deixava eu fazer quase nada, apenas eu ficava de tocaia, tal e qual um jacaré chocando pra ver se a máquina fazia direitinho; sabe era uma máquina bonita, dessas que lava, enxágua, refuga, e quase seca as roupas?
_ Poderia repetir o que a máquina fazia mesmo? Não ouvi direito.
_ Tu tá surdo homem! Quer um cotonete (Pequena haste, geralmente de plástico, com dois pequenos chumaços de algodão nas extremidades, usados, principalmente, para fins higiênicos)? Devo ter aqui na bolsa. Digo sim, lava,, enxágua, quase seca e refuga as roupas.
Valha-me! Santo Aurélio. Só agora que aprendi como se escreve e a definição de “cotonete”. Mas a máquina refugar é demais!
_ Refuga? Deve ser centrifuga. Será que você não está enganada?
_ Tô nada! Eu nunca me engano. Não admito que me corrija! Tem sim a função centrifugar, mas refugava mesmo, num sabe? Quando eu botava água acima do limite, hoje é tudo no limite, né? Tu sabes. A danada refugava e fazia uma estripulia danada! Transbordava tudo; um dia, o dia que saí do trabalho, aconteceu a coisa.
_ Que coisa aconteceu?
_ Curioso! Espera te conto já! A tal da máquina refugou, jogou todo aguaceiro no chão da lavanderia, escorreu pra cozinha, indo até na sala, molhou tapetes e carpetes, a ponto de precisar trocar os carpetes. Tapete enxuga né?
_ Por esse motivo lhe despediram do emprego?
_ Não! Eu quem despedi de todos eles, dizendo TCHAU! Depois eu volto, deixei tudo molhado, nunca mais voltei lá. Depois a médica minha patroa mandou em casa um moço, por sinal um gatão! Partidão! Homem. Ele pediu a minha carteira de trabalho. Pensei que fosse pra colocar um aumento de salário, mas não foi. A escrita dizia assim:
demitida em…, sei lá quando, faz tanto tempo, até perdi a conta.
_ Sim, pelo que me parece, seu currículo tem matéria suficiente pra fazer muitas novelas. Tem um currículo farto, com certeza. Caso surja uma vaga, enviaremos um TELEGRAMA e sua presença nos honrará. Assim que surgir a vaga de uma funcionária pra lá de Bagdá, você não será esquecida. Precisamos de uma referência.
_ Tá bom! Esperarei até nove meses se tu interessares, farei tudo direitinho. A referência é a seguinte. Sou prima do jardineiro do Dr. Wilson de Morais. Por sinal gente que trabalha mesmo…
_ Hum! Ótimo! Boa sorte. Quando eu sentir solidão, procurarei você pra me contar histórias, catar piolhos e fazer cafuné. Até logo. Ufa!
_ Uau!!!