Fortunato é um homem muito velho e solteiro, que personifica a própria miséria e incerteza. Usa roupas gastas e remendadas. Tem pouquíssimo dinheiro, apesar de uma vida inteira de trabalho pesado e dificuldades. Seu maior patrimônio é a casinha de alvenaria que construiu em seu terreno, onde mora faz muitos anos. Houve tempo em que seus vigorosos braços de trabalhador eram continuamente solicitados; mas agora, solitário e senil, parece que todos esqueceram absolutamente da sua existência.
Fortunato tem vergonha de ser tão velho, ignaro e pobre. Mas é uma vergonha simples, que se manifesta quando tenta disfarçar a sua pobreza, doenças e roupas rotas, como se isto fosse um incômodo para os outros. Fortunato não gosta de incomodar ninguém.
Não tem certeza se tem medo de morrer. Tudo é tão difícil e amargo, afinal… Mas não pode deixar de reconhecer que aprecia sobremaneira o fato de estar vivo. Ele gosta das caminhadas que faz pela manhã fumando um cigarro; de observar as estripulias das crianças dos vizinhos; de contemplar, sentado no banco da praça, as folhas que caem das árvores; e sente-se útil quando ajunta um lixinho e o deposita num cesto público. Mas Fortunato acredita que tudo seria bem melhor se estivesse acompanhado, mesmo que fosse por uma velhota gorda e rabugenta. Apesar da consciência limpa, vive arrependido, pois na juventude fora tímido e não se casou; hoje, ele é tão velho que nem as velhotas gordas querem saber.
Como isso vai terminar? Não tem importância. Com certeza, Fortunato vai continuar fazendo o que sempre fez – e que Deus o julgue no fim…
Fortunato entra na cozinha para almoçar. Tem um pão, café e algumas frutas. A cozinha dá para um pequeno quintal, nos fundos da casa. Na porta aberta está um cão novo, um vira-lata sadio e pequeno de pêlo amarelado, deitado com a cabeça sobre as patas dianteiras.
Faz um ano que o cachorro apareceu na casa, ainda filhote, ferido e abandonado. Fortunato, apreciando desde então aquela nova convivência, chama-o de “Amigo” e lhe dá alimento e abrigo.
O cão, enquanto aguarda o seu bocado, admira Fortunato com os seus olhos escuros e vivazes, numa aprovação silenciosa e fiel tão comum a esses irracionais.
– Pois é, Amigo. Hoje, a comida só dá para um. Vais ter que se virar pela vizinhança – diz Fortunato, sentado na cadeira, coçando a nuca.
O cão, balançando a cola, parece entender o dono e levanta-se para ir embora.
– Ei! – Fortunato chama o cão, que retorna contente.
E Fortunato, sentindo-se no auge da felicidade, dá o seu pão ao cachorrinho e almoça café com banana.