As Cidades Invencíveis

Por essas ruas que não tem chão,
corre a criança com seus pés incansáveis (…)
Cecília Meirelles.
Rua do Fogo. A placa com o nome da rua incendiou minha memória. Flanando por Parati, reencontrava intacta aquela ruela sensual, sem calçadas; árvores, folhas, plantas; resistíramos. O pequeno degrau à entrada de uma casa parecia menor. Um vestido rosa, era isso, um vestido rosa e flores vermelhas ao fundo. A lembrança daquela mulher e da foto perdida, ardendo. Chão de pedras, ladeiras, história. Ouro Preto, um começo. Saía atônito de uma rua e desembocava, pelos caminhos caóticos da minha memória sentimental, em outras cidades, com suas ruas sinuosas, mistérios, encantamentos.
Errático na multidão das ruas de Paris, greve, neve fora de hora, Rue du Beauregard. Andarilho percorrendo com olhares as passantes efêmeras da novelha modernidade de Rimbaud, desembocando em Saint Eustache. A professora belga com quem empunhei bandeira de solidariedade aos grevistas. O gozo depois do dever cumprido, o pequeno quarto no centro de Bruxelas. Música techno. Amor no carro parado à beira da estrada a caminho de Amsterdã.
Na foto em que a vi pela primeira vez de biquini na cachoeira, cobrindo os olhos para o sol que batia direto em seu rosto, desejei seu corpo pela primeira vez. Os seios pareceram maiores do que se revelariam depois. Pequenos, grandes bicos intumescidos. Nas avenidas tortuosas de São Paulo, em meio à fumaça, desejos, fuligem, longas noites de sexo em claro, a perdi.
As cidades, mulheres, femininas, envolventes, impiedosas, fortalezas; tão próximas dos olhos; seus odores, vistas de cima e de tão perto, indistintas. As cidades incansáveis, perplexidade e rotina. As cidades insensíveis; invencíveis. Curvas vertiginosas de onde não se adivinham abismos, caminho a pé na direção contrária, sem sentido nenhum, para o colo acolhedor de uma nova cidade.