Marina

Um passo para trás, um passo à frente, Marina olhava o choro daquela pessoa sentada à porta do correio. Um ímpeto de ojeriza lhe apossou. A possessão do amedrontamento, o nojo adentrando o nariz. Teria corrido, as pernas não permitissem.
Ali estava uma pessoa. Quem era, não sabia. Com um jornal nas mãos, lia e espantava os mosquitos e seu intrometimento. Dizia as notícias com solenidade, e depois caía no silêncio enjoado, tardo e pegajoso.
Marina olhava aturdida. Incompreendia as fatalidades. Sina, ela não concordava. Parados a uns metros, à sua frente, uma pessoa, o correio, e uma incompreensão. Cuspia dentro de si e percebeu outras pessoas.
Postou a carta e saiu. Uma imagem lhe acompanhou os passos. Vinha alguém com sua sombra sobre as poças no asfalto. Apressou os passos, as sombras lhe acompanhavam e ressentiu medo. Nada vislumbrava além, a não ser aquele espantalho atrás de si com o jornal nas mãos, sacudindo-o e em silêncio. Perdeu o sentido de distância e de lugar, o tino de tempo e de esconderijo. Tudo ermo. O sol baldio, ninguém, nem um pássaro voando, nada!
Recordou-se da carta e se estremeceu, lembrou-se dos conhecidos e apressou os passos. Ensaiou uma corrida, e quase caindo, foi convidada a desistir. Olhou. E nada viu. Sentiu-se aliviada e confusa… Diminuiu os passos!
Mas olhando novamente às suas costas, um calafrio de morte lhe acercou, um gelamento subiu pela espinha e os seus cabelos se arrepiaram. O corpo tremia de desespero. Uma pessoa atrás caminhava, agora lendo um jornal. Apenas se via o seu corpo dos ombros para baixo. Uma sombra horrível. Marina não conseguia distinguir se era homem ou mulher. Novo calafrio.
Avistou à distância, à sua frente, um vulto humano e caminhava em sua direção. Olhou atrás, olhou à frente, e se congelou amolecida e se arrepiava. Sentiu-se indecisa. O medo era ela mesma.
Vendo um atalho, precipitou-se nele, buscando fugir dos vultos. Passou um tempo e as duas pessoas se encontraram, ela viu, e se cumprimentaram e tomaram o atalho. O arrepio a sacudiu, sacolejou-lhe o útero. Perdida estava. Nada via, só tumulto!
As duas pessoas dividiram o jornal e continuaram juntas e conversavam. Ela não sabia o quê. Deveriam ser amigas. Aí o tremor foi terrível. Seus ombros se agitaram, seu corpo, uma frieza…
Quando, de repente, surgem a cem metros, outras duas pessoas com jornal nas mãos e conversavam entre si. Ela parou. Sentou-se entregue. Abriu os olhos, as quatros pessoas tinham desaparecido. Mas que depressa se ergueu e continuou viagem, e por desgraça, as pessoas reapareceram, e ela não sabia de onde. Sentou-se novamente, as pessoas desapareciam, levantava-se e reapareciam do nada.
Ficou horas e horas sentada, arquitetando estratégias para ludibriar aquele incômodo que a assassinava lentamente. Ficou sentada. Olhou e não viu ninguém, só a ermidão sombria.
Levantou-se de olhos fechados e prosseguiu viagem, e nada vendo com os olhos. Nada!
Seus ouvidos acordaram e começaram a escutar as passadas. A morte lhe abraçou. Abriu os olhos. Agora eram seis pessoas. Três atrás, três à frente. Arrependeu-se de caminhar com os olhos fechados, os ouvidos iniciaram-se a escutar os barulhos e o nariz a sentir o cheiro, e o tato a sentir a pegajosidade dos corpos, e sua língua a degustar o sabor da carne. Era o seu corpo!
Chegou ao centro da cidade. Viu a multidão. Era o medo encarnado. Espírito e osso. A cidade, o grande correio.
Postou a sua carta e saiu em direção à praça. Estava horrível, uma barafunda, uma algazarra de jornal, uma solidão populosa nos olhares dos transeuntes. Medo maior. Sentava-se, o temor fugia, e ao se levantar, o esmorecimento, uma morte estranha se lhe acercava os ombros. Teve fome em si: um calafrio, uma febre, um esgotamento permanente na entrada da praça.
Marina desentendendo. Alguém se levanta da praça e anda. Uma sombra andarilha. Lê folhas soltas e fala e grita notícias. Vai andando. Nos becos aparecem outros também lendo folhas e folhas e falando e acurralando as pessoas. Marina amedrontada, Marina do correio, agora corre da praça e as sombras a cobrem com seus braços. Ela está só, horrivelmente falecida…