Maria

Maria já estava naquele emprego há mais de dez anos, na mesma função, Auxiliar.
José era um bom chefe. Gostara dele desde o primeiro dia. Tão bonito, quase um artista de cinema. Acompanhou sua ascensão, dia a dia. Quanto orgulho com as suas promoções! Dinâmico, inteligente, trabalhador. Chegava sempre cedo pra poder cumprimentá-lo. Ele sempre sorria e olhava-a transpassando.
Como sempre, à noite, gostava de ficar um pouco mais no escritório, quando não tinha mais ninguém. Sempre dava um jeitinho pra ficar, não tinha pressa, ninguém esperando-a, apenas o quarto solitário e a tv. Gostava daquele silêncio, de olhar pela pela janela, observar as pessoas na rua andando, o movimento. Aquela gente com suas vidas particulares e anônimas, como ela, como se fossem irmãos da mesma calçada.
De repente sentiu a fumaça. Primeiro tênue, depois densa. Nem chegou até a recepção e o fogo já lambia tudo. Lembrou-se das instruções da equipe de incêndio e dirigiu-se para as escadas, desceu dois andares, tranqüila, sem alarde, quando de repente, lembrou-se: meu Deus! Hoje é quinta-feira é dia da aula de inglês do seo José, ele ainda está aqui!
Pensou mais um pouco, confusa. Não havia escutado o alarme de incêndio e o andar dele ficava acima do seu. Voltou correndo pelas escadas e desesperada quebrou o botão do alarme de incêndio do andar e apertou o botão, precisa avisá-lo, precisava.
Não funcionava. Desesperou-se ainda mais, subiu mais um andar, a fumaça era terrível, e foi tateando a parede, um calor infernal. Outra caixinha do alarme de incêndio, quebrou e apertou o botão, suas mãos sangrando.
Foi ficando tonta, tonta, o calor, tentou subir as escadas do andar de cima, as chamas chegando, a escuridão, o desespero, seo José meu Deus, seo José! Depois o silêncio chegando misturando-se à alegria de ouvir, ainda longe, longe, como num sonho, o alarme tocando.
…………………….
Naquela noite o jornal das oito mostrava, na tv, um homem bonito, um pouco amassado diante de um prédio, com o rescaldo do incêndio.
– Estamos entrevistando o senhor José da Silva, gerente da X&B, que arriscou sua vida, para salvar uma das suas funcionárias. Um exemplo de solidariedade. Poderia nos relatar o que aconteceu?
– Estava na minha aula de inglês, quando de repente ouvi o alarme de incêndio. Desci as escadas, o fogo era intenso, a fumaça brutal, quando percebi uma pessoa no chão, no meio da escada, desacordada. Chamei, chamei nas não respondeu. Então, peguei-a no colo e fui arrastando pelas escadas.
– É uma de suas funcionárias?
– Penso que sim. Não tenho muita certeza, mas acho que é, lembro do seu rosto vagamente.
– Sabe o nome dela?
– Não, não sei, temos tanto funcionários, mais de duzentos.
-Como o senhor se sente salvando a vida de uma pessoa, quase uma desconhecida?
– Com o dever cumprido, uma sensação boa. Apesar de estar triste pois a moça está muito queimada.
– O que o senhor diria pra essa pessoa que salvou a vida?
– Que deveria ser mais cuidadosa. Em casos de incêndio, ao escutar o alarme, deve descer as escadas, imediatamente.