Queridinha

Queridinha
Quem é a filhinha do papai? Quem é a menininha?
Diz quem é, diz!
Pára pai, pára, não faz isso não, por favor.
Quê isso, você gosta, sempre gostou!
Não gosto não, nunca gostei, pára, por favor, pára pai, pára.
Ora, ora, mais uma vezinha e pronto.
Pára!
A menina se debatia entre os lençóis, a camisolinha solta na cama parecia querer atrapalhar o ato. O pai fazendo força tentava entrar na menina e gemia e gemia, enquanto a menina começava a falar mais alto, mais e mais.
Quem é a queridinha do papai? Quem é? Quem é? Ele perguntava fechando os olhos.
Pára, por favor, tô te pedindo – você é meu pai, isso não é direito, pára com isso! Mãe, por favor, acode aqui! Pára pai, pára!
O pai cansou daquela reação. Levantou o tronco de sobre o corpo mirrado e segurando nos cabelos deu um bofetão:
Agora cala essa boca! Quieta!
A menina com a boca sangrando deu um grito: Agora!
De dentro do armário embutido saiu um menino. Mais ou menos 13 anos, bermuda frouxa, cabelo escovinha, tênis de skatista, olhos arregalados, espinhas no rosto e uma arma na mão!
A velha garrucha tremia. Seus passos foram curtos e chegando perto da cama ele parou. Falou baixinho quase sem abrir a boca:
Tio, pare com isso!
O quê? Que porra esse moleque tá fazeno aqui? Falou o pai girando o braço com força e acertando de lado o ombro do menino. Ele caiu em cima do tapete cheio de ursinhos. Caiu e girou o corpo rapidamente; apontou a arma e disparou. Um barulhinho seco. Picotou! O pai empurrou a menina, se levantou rindo e chamando ele de babaca. O homem vinha nu, os colhões balançavam em camêra lenta. E ria e falava da garruchinha e falava e ria e xingava filho duma puta e chegava perto. O menino puxou o cão do segundo cano e apertou novamente o gatilho. Desta vez ouviu-se um barulho. Fraco, parecia um traque de São João. Uma fumacinha apareceu na frente do cano da arma e uma fumaça maior, como que separada, surgiu um pouco adiante da ponta do cano.
E o silêncio.
O pai apareceu no meio da fumaça. Seu olho esquerdo sangrava e seus braços agora estavam alinhados com o corpo.
E em pé ficou.
E parecia que ele ia ficar em pé para sempre.
A menina correu e pulou de cima da cama. Nua, começou a se cobrir com uma camiseta que estava na cadeira.
O pai continuava em pé.
A porta se abriu com violência, a mãe descabelada e com um tampa olhos pendurado no pescoço, parou no vão. Por trás entrava uma luz estranha, a silhueta da mãe parada fazia sobra por cima do tapete onde o menino ainda estava deitado.
O pai em pé.
A mãe gritou. O menino não ouviu o grito – não conseguia parar de olhar para o homem de pé. A menina começou a falar, a gritar, a acusar. O menino se levantou e sem perceber começou a andar de costas voltando para o armário. A mãe deu um passo para dentro do quarto e segurou num braço do pai. Ela viu o sangue e aumentou o tom de voz, o menino entrou no armário, a menina gritava com a mãe e jogava no chão revistas que estavam ao lado do computador.
O pai, em pé, começou a desmontar. Os joelhos cederam ao seu próprio peso e como um prédio implodindo ele caiu para a frente e para baixo. A mãe gritou tão forte que o menino começou a escutar. As revistas que saíram de cima da mesa mexeram no mouse, o computador acordou e na tela apareceu a menina sorrindo cercada de flores, muitas flores. A mãe se ajoelhou ao lado do marido e segurou sua cabeça, o olho teimava em sair para fora e o sangue escorria para cima do robe dela como que procurando escapar. Ela pegou o olho e tentou colocar de volta na órbita e o danado não entrava e ela empurrava e empurrava. A menina bateu no ombro da mãe. A mãe pegou a mão da menina e puxou o rosto dela para junto do seu. Falou histericamente:
Seu pai, você matou o seu pai, o seu pai! Você matou seu pai, sua puta, puta, você matou seu pai!
A menina com o rosto colado, recebia os gritos como cusparadas. Colocou as duas mãos no rosto da mãe e empurrou. Se soltou e olhou ao redor procurando o menino. Não percebeu que ele estava sentado como uma roupa suja nas gavetas do armário. Sentiu-se sozinha; vestiu a camiseta e saindo do quarto, correu pelo corredor. A mãe foi atrás. O menino como se estivesse numa jaula aberta, saiu bem devagar. Os gritos agora vinham da cozinha. Ele andou até lá sem pressa. Os gritos foram diminuindo. A porta estava encostada. Ele empurrou sentindo um peso do outro lado. Empurrou com mais força e entrou. A mãe, deitada e toda torta, tinha um sorriso imbecil na boca e uma faca de churrasco no pescoço; uma mecha de cabelos molhados de sangue cobria a testa e dava um toque engraçado. A menina estava de cócoras ao lado do armário de comida. Ele foi até lá e deu a mão.
Acabou. Pronto acabou. Meu Deus, acabou! Falou o garoto.
Ela também, ela também, isso precisava acabar, ela nunca fez nada, sempre soube, sempre, ela também! Balbuciou a menina tremendo de frio. E agora? Perguntou o garoto que esquecera todo o plano. E agora? Vamos fazer o quê? Vamos pra onde?
Não se lembra? Você não guardou tudo o que combinamos? Onde está a sua mochila? Vamos embora, vamos, vamos.
E deixar tudo assim, assim? É a sua família? Perguntou bestamente o menino de mãos dadas com a menina, olhando pra trás e girando o rosto como que procurando algo.
Ela, menina até então, respondeu com voz de mulher:
Minha família agora é você!