Ingrid estava inquieta. Há dias estava presa dentro da gaveta de meias. Até agora ninguém dera pela sua falta! Nem marido, nem filho, nem a mãe, que vinha vê-la todas as tardes. Era tão insignificante assim? Começou a chorar. Puxou um lençol, ou seja, o lenço com o qual se cobria para dormir. Enxugou as lágrimas, um fiapo de bordado espetou seus olhos. Era o bordado da letra J, inicial do nome de seu marido. Ela mesma bordara, caprichosa. Ingrid era esposa, mãe e filha exemplar. Como ninguém tinha dado a sua falta ?
Ingrid desembaraçou-se do lenço. Alguém havia latido! Isto é, Oto latiu. Ele começou a morder o puxador, sacudiu levemente a gaveta. Ingrid caiu, mas não ficou inconsciente. Rápido, gritou: “Oto! Oto! Isto, abra gaveta! Abra a gaveta, Oto!”
Oto continuava a arranhar a gaveta e morder o puxador, não conseguia abrir. Jorge entrou no quarto e gritou: “Oto! O que você está fazendo?” E bateu no focinho do cachorro. Ele ganiu e saiu do quarto. Ingrid tentou gritar, ninguém ouvia a vozinha abafada pelos lenços e meias dentro da gaveta. Ela esmurrou o interior da gaveta, seus socos eram como picadas de mosquito.
Com as duas mãos afastou o pesado lenço do caminho. Caiu de quatro. Seu grito foi tão ansioso que pareceu um latido: O São Bernardo começou a arranhar a gaveta. Ouviu passos perto da gaveta. Era Jorge. Oto ganiu e fugiu. De repente Ingrid olhou espantada a mão enorme que erguia-se como muralha. Nem teve tempo de mudar a expressão do rosto quando os longos dedos estreitaram e esmagaram o inseto insignificante.