Imaginações

Ficava inventando coisas, sempre.
Principalmente quando amanhecia. Punha o relógio para despertar sempre mais cedo, e sonhava antes de se levantar.
Inventava sonhos.
Acabou inventando a vida também. Do jeito que tecia sonhos, tecia a vida.
E de tanto inventar sonhos, inventou um homem, tão sozinha, ela.
Inventou apelidos: ele era sir; ela, milady… Ela tinha inventado nomes-apelidos assim, ou fora ele? Fora ela, ele nem existia, era só invenção dela, das necessidades dela… Foi compondo gestos, inventou lugares aonde existiam secretos e inexistentes jardins. Inventou palavras que ele dizia, inventadeira que era. Inventou traços, mãos parecidas com as suas, do mesmo tamanho.
Um querer-bem sem fim.
Um certo olhar assim, entre dor e piedade…
Um corpo que não existia de verdade…
Uma bondade desajeitada, um som de voz.
Depois, porque lia muito Saramago, perguntou-lhe coisas, fatos, acontecimentos.
Mas o homem era mudo, tão sem palavras, nunca tinha respostas para nada.
Primeiro, magoou-se, encolhida à sua pequena miséria, para dentro de sua alma que julgava ter dono. Depois, descobrindo-se tão sozinha, intuindo que ele nem fora seu de verdade, chorou com um olho só, tal como choram os deserdados.
E um dia, sem respostas das pergunta que sempre fazia, passou a colocar o despertador na hora certa, certa de que ele não vinha, nunca viria. Nunca tinha vindo?
E o homem que nunca existira, o que ela inventara com a alma-tonta, o que jamais tinha chegado, era pura ilusão e fantasia da cabeça doida dela, se foi.
Foi-se o homem.
Agora, bem, agora deu de comer unhas.