Era uma ensolarada tarde de verão; com seus raios rubros o sol descambava por entre os azulados montes que ao longe se divisavam.
Em silente estrada em pó envolta, em belo e rápido ginete um cavaleiro percorre a sinuosa trilha, e junto dele um enorme cão, animal ao qual dedicava especial afeição.
E a afeição era recíproca; a fidelidade do amigo não lhe permitia dele se desgarrar. Era um companheiro de todas as horas; de muitas aventuras participaram conjuntamente.
Com tal afeto o cavaleiro recusava valiosissimas ofertas por onde passava para desfazer-se do fiel companheiro.
E naquela sufocante tarde de verão, mitigada somente por esparsas baforadas da brisa, algo estava para acontecer; algo que viria marcar profundamente aquela velha amizade.
E assim percorria o cavaleiro a sua sinuosa trilha em busca do nada, ou quem sabe, de mais uma aventura que se somaria a tantas outras que com o fiel amigo vivera.
Após percorrer extenso trecho da longa estrada, sempre seguido de perto pelo belo animal, eis que, de repente, o cão se põe a ganir estridentemente.
Estranhando tal atitude do fiel molosso, o cavaleiro do alto da sua montaria o observa atentamente; perscruta os arredores e nada sente de anormal.
Novamente se volta o cavaleiro para seu cão, não aceitando a idéia que lhe perpassava pelo juízo de que seu fiel amigo poderia estar contaminado pela insidiosa moléstia da raiva.
E gania insistentemente o animal; embora rejeitasse a infeliz idéia de que seu grande companheiro estivesse contaminado, de modo diverso demonstrava o estranho comportamento do cão.
E assim, transido de dor e desespero, atonitamente sentiu que nada poderia fazer.
Quem sabe, pensou ele, se não poderia minorar o sofrimento do seu amigo.
Sim, poderia vir a fazê-lo; porém tal idéia imediatamente rejeitou. A infeliz idéia o fez passar a mão em seu coldre, buscando a arma que então portava.
Imediatamente recolheu sua mão. Não, isso não faria.
O que fazer então? Nada havia a fazer.
Enlouquecida e estridentemente o cão continuava a ganir, tumultuando mais e mais o pensamento do seu amado dono.
Com seus pensamentos inteiramente aturdidos, eis que o cavaleiro se dispõe a não permitir que seu companheiro sofra tanto. E assim, novamente conduzindo sua mão ao coldre, empunha o terrível instrumento que definitivamente acabaria com o sofrimento do cão, abreviando-lhe a morte.
E assim, sacando da arma, e em meio à perplexidade com tal situação, em direção do seu fiel companheiro dispara seguidas vezes, dali rapidamente se afastando para não presenciar o final da tragédia.
E, esporeando o esbelto corcel dali se afasta, cavalgando por mais de duas horas seguidas, ao fim das quais, prostrado pela fadiga resolve abrigar-se à sombra de frondosa árvore.
E então, deitando-se sobre a folhagem que se estendia sob a copada árvore, ali mesmo adormece, sendo despertado por um farfalhar de ressequidas folhas, o que o fez assustadamente levar a mão à arma.
Triste cena; lançando seu olhar na direção do ruído, sua visão ainda embaçada pela sonolência mal divisa o vulto de um enorme animal vindo ao seu encontro, embora caminhando com extrema dificuldade.
Tal vulto, de outro animal não era que não o do seu fiel companheiro. Espantando-se com aquela inusitada cena, não acreditou o cavaleiro com aquilo que sua visão oferecia. Seu belo cão, embora mortalmente ferido, trazia dependurada na boca uma bolsa de couro que logo o cavaleiro identificou ser aquela em que costumava guardar o seu dinheiro. Imediatamente raciocinou o cavaleiro que os lancinantes ganidos do fiel companheiro estavam a lhe dizer que sua bolsa havia se desprendido da cela e ele nada entendeu, infelizmente.
Agora, mais ainda se lamentava por ter contribuído para dar aquele triste fim ao fiel companheiro.
E, estreitando em seus braços a cabeça do belo animal, convulsiva e copiosamente chorou o cavaleiro ao assistir os estertores da morte que impusera ao seu dedicado e fiel amigo.