Ingênua como seu nome, às vezes Cândida não entendia muito bem as coisas. Mesmo tendo pouca idade precisava vive-las para as entender. Ouvia falar na esperança mas não conseguia compreender. Na Igreja que freqüentava falavam muito que não podia perder a esperança de um dia encontrar a felicidade num futuro melhor e distante, num outro lugar , longe das misérias humanas. Promessas divinas, diziam. Quando chegavam em casa não tinham o que comer, mas sua mãe lhe dizia para ter paciência, um dia Deus daria um jeito em tudo. E o jeito era ficar sozinha, com fome, frio e medo, enquanto a mãe saia para procurar emprego, difícil em tempos de crise, ainda mais com a barriga grande para um novo filho. Do pai não tinham notícias desde que saíra numa noite de enchente.
Um dia apareceu no bairro um homem muito falante. Era época de eleições e no discurso inflamado a palavra esperança era usada como recurso para a sua eleição. Ele dizia ser a esperança do povo. Daria um jeito em tudo: na violência, na pobreza, na educação, nas enchentes. Eleito o homem, na vida de Cândida continuou a miséria.
Quando seu irmão nasceu, precisou tomar conta dele para a mãe ir trabalhar. Foi quando um vislumbre de entendimento passou por sua cabeça. A criança tinha saúde delicada e Cândida ouviu o médico dizer que a única chance dela sobreviver era mudarem do lugar úmido em que viviam. Cândida com medo que a criança morresse começou a tira-la de casa nos dias de sol, mas quando chovia era uma lástima! Não era possível conservar a saúde do irmão, por mais que ela tentasse.
Ao lado da casa havia muitas pedras. Algumas eram coloridas, outras quase transparentes. Cândida as achava lindas. Começou a junta-las. Ela as lavava na chuva para ficarem limpas. Sonhava com elas. Um dia iria construir uma casa só com suas pedrinhas. Essa casa seria grande, ensolarada, com todo o conforto que vira na linda casa da rua de cima, num dia que por lá passara e a porta estava aberta.
De tanto se molhar lavando as pedras adoeceu. Juntou tantas pedras que não era mais possível andar no cubículo onde moravam. O cômodo ficou ainda mais úmido e frio. Sua mãe deu um grito com ela e mandou que retirasse tudo dali. Cândida começou a chorar desconsoladamente, dizendo coisas que sua mãe não entendia. A febre que não a abandonava fazia já alguns dias subiu ainda mais. Aflita a mãe perguntou para que era aquele monte de pedras, para que serviriam elas. Antes de adormecer sob o efeito do remédio caseiro, ela respondeu:
– Essas pedrinhas são a esperança, minha mãe!