Uma Estranha Serenata

Luizão e Susana se casaram e pretendem convencer todo mundo a se casar também. Não é por outro motivo que fazem serenatas por encomenda na cidade onde moram, no interior do Paraná. Mesmo os já casados podem contar com eles para presentear suas caras-metades com essa antiga tradição, hoje em dia ainda mais marcante por ser inusitada.
Um dia eles receberam o telefonema de um aflito e apaixonado marido que queria mimosear sua bem-amada com uma seresta naquela mesma noite. Acertaram preço e repertório. Na hora combinada, Luizão e Susana foram ao endereço indicado, depois de passar numa floricultura para apanhar o buquê de rosas com mosquitinhos incluído no preço. Chegaram e postaram-se em frente à casa da homenageada. O pacote seresteiro previa a execução de quatro músicas, escolhidas pelo homenageante, e a leitura de uma mensagem alusiva àquela comemoração. O repertório das serenatas era quase sempre o mesmo: “Fascinação”, “Eu Sei que Vou te Amar”, “A Noite do Meu Bem” e “Besame Mucho”. Às vezes pediam “Índia”, “Felicidade”, “Como é Grande meu Amor por Você” e “Imagine”, de John Lennon. Raramente saía disso.
Naquela noite, começaram tocando o clássico de Dolores Duran: “Hoje eu quero a rosa mais linda que houver, e a primeira estrela que vier, para enfeitar a noite do meu bem…”.
Ninguém apareceu.
“Quero a alegria de um barco voltando e a ternura de mãos se encontrando…”.
E nada.
Terminaram a música e o silêncio era ensurdecedor. Nem aplausos, nem vaias, nem janelas acesas na vizinhança, nem ao menos o latido dos cães. Nada. Então sai da casa um homem de trinta e poucos com aparência pouco amistosa.
– Acho melhor vocês irem tocar no outro lado da rua ­ disse ele.
Luizão perguntou se tinham errado de casa. O homem, que era o contratante da seresta, disse que não. E começou a explicar.
– É que eu e a Selma… eu liguei à tarde pra vocês e combinei a serenata, né? Pois é, hoje é nosso aniversário de casamento. Três anos. ­ Respirou fundo pra segurar o choro, recuperou o olhar perdido e prosseguiu.
– Daí eu cheguei em casa e ela reclamou que eu não lembrei que dia era hoje, e a gente começou a discutir. Como não lembrei? E o que é que vocês tão fazendo aqui? Eu queria era fazer uma surpresa. E pra piorar ela tá na tepeême, não há quem agüente essa mulher nesses dias ­ gemeu.
Apontou para o outro lado da rua, tirou um cheque do bolso e ordenou.
– Ela tá naquele carro. Peguem o pagamento de vocês e podem ir lá cantar.
Luizão e a esposa se olharam admirados e foram. “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora…”. Recomeçaram cantando esses versos pouco apropriados para a situação. Mas combinado é combinado, quem escolheu o repertório não foram eles e o casal brigão que depois se entendesse. Selma olhou pros seresteiros com a cara inchada, virou de lado e puxou o cobertor. As tremidinhas de seu ombro denunciavam o início de mais um acesso de choro.
Depois de infindáveis minutos, terminaram a segunda música da serenata. Incomodada, Susana achou que era hora de resolver a confusão. Mandou Luizão ir conversar com o marido de Selma, que estava paralisado na calçada em frente à casa, e ela improvisaria uma psicóloga.
– Eu vou conversar com ela ­ disse olhando para o marido de Selma, como se desconfiasse da versão dele. Susana tinha tomado as dores da grande amiga que ainda nem conhecia.
– Oi, Selma. Posso conversar com você?
Susana entrou no carro com o buquê e Cléber, marido da Selma, convidou Luizão pra entrar.
– Acho que nós merecemos um uísque.
Um pouco embaraçados, os homens começaram conversando amenidades. Na terceira dose, já contavam piadas e os risos ecoavam no outro lado da rua, para irritação das mulheres. Na quarta dose, Cléber pediu para Luizão tocar uns sambinhas e foi imediatamente atendido. Minutos depois, ao ver que Selma estava refeita, Susana levou-a para dentro.
– Coragem, amiga, vocês superam mais essa.
Entraram e viram a cena. Luizão mandando um samba na viola e Cléber sambando, com o copo na mão, como se estivesse dirigindo a bateria da Portela. Ao ver Selma, foi correndo abraçá-la.
– Oh, meu amor, tá mais calminha, tá?…
Selma não sabia mais se pedia desculpa pelo mal-entendido ou se brigava com o marido por ele estar completamente bêbado. Susana teve que dar razão a Cléber, conversando no carro ela constatou que não havia quem lidasse com aquela mulher na TPM. E pelo que pôde perceber, o mau humor da dona Selma ia muito além da véspera menstrual.
Mas Susana não quis saber de baixo astral: tinha saído de casa para cantar e era isso que ia fazer. Sentou ao lado do marido, tomou um bom gole de uísque e assumiu a cantoria. Cléber não escondia sua empolgação com a performance do casal e Selma, talvez constrangida pela presença das visitas, manteve-se na sala fazendo companhia com o buquê de rosas na mão.
Susana sabia que Cléber tinha sofrido uma injustiça e pra rebater tomara todas. Sabia que Luizão também estava embriagado. E acima de tudo sabia que Selminha era uma chata de galochas. Mas tudo tinha limite, e ela se viu obrigada a chutar a canela do marido quando ele começou a cantar:
– É preciso muito amor para suportar essa mulher…