Eu já estava na fossa quando acordei domingo. Aonde estive dormindo no sábado? Disposto a fazer qualquer coisa para dela sair, vesti minha bermuda azul, chinelo marrom e meus óculos de sol. Parti só, para um bairro distante e amigo.
O calor estava insuportável. Entrei numa lanchonete:
– Uma cerveja gelada.
Fiquei sentado, que só sentado fiquei neste dia, a pensar na monotonia cansada de minha vida: trabalho, estudo, futebol, meninas. (Com as quais sempre me enfureço rindo)
Mas eu não queria meninas, nem mesmo jogar futebol, trabalhar, pensar em trabalho…, nem pensar! Sabe do que eu gostaria? De ir para a Argentina, ou muito melhor: para a Bahia. Conhecer os petiscos saborosos da Gabriela do Amado. A canícula lembrava-me a Bahia.
– Mais uma cerveja, por favor.
Lá fora a pequena multidão dominical. Eu cada vez mais na fossa. (Muitos falam que é depressão, com intimidade já estão chamando de deprê). Domingo de manhã: missa. Ir a missa de bermuda? Não iriam deixar eu entrar… Deus não deixou nada escrito a respeito, mas os católicos inventaram ser falta de educação, chamam de “trajes menores”. Certo. Não vou ser búfalo branco na manada marrom.
Continuando ainda este pensamento; de uma coisa estava certo: se pudesse eu iria. Juro que iria. Fazia muito tempo que não assistia missa.
Coisa que jamais consegui; ir à igreja com namorada a tiracolo no domingo pela manhã. Queria era dormir… Como poderia acordar cedo, se cedo eu chegava? Enfrentar aquele poeirão vermelho do caminho da igreja, todo bonitinho, cheiroso, com roupas limpas? Não! Nunca fui acompanhado e nas vezes que fui sozinho, ficava olhando as meninas, pensando em sair com alguma. O padre falando divindades e cenas bestiais girando na minha mente, o anjo mau assoprando em meus ouvidos:
– Olha lá, que joelhão!
Eu interessado:
– Onde?
– Olhe para o lado esquerdo, aquela de rosa.
Que maravilha! O danado do anjo mau era sabido, entendia mesmo de joelhos.
– Vire a cabeça, rapaz. Olhe pra a frente e escute o padre. Por acaso não foi para isto que veio? Meu anjo bom retomava as rédeas. Tentando dar-me paz, não deixava-me em paz.
Quando ouvia trechos do sermão, percebia o quanto estava errado, prometia, intimamente, não deixar mais de assistir missas, mas já no Domingo seguinte dormia e ficava anos sem ver missa.
Aquele dia, de bermuda, se pudesse, juro por Deus que iria.
Mas fui ficando ali. Cada vez mais quente, pensamento perdido em coisas, em tudo, em nada. Assim fica-se preocupado, senta-se, pede-se cerveja, apoia-se o queixo na mão, toma-se outra e mais outra…
Estou a caminho da Argentina, povo estranho, verde, quase tudo diferente, são loucos para ganhar do Brasil no esporte, em qualquer modalidade. Apenas o anúncio da Coca é igual. Não! Argentina, não!. Vou para a Bahia:
– Mais outra minão, que está um calourão.
Ônibus novo, estrada longa, Brasil é melhor, povo bom, simples de coração, pais lindo, de futuro que o dia há de chegar Brasil é mais meu, eu mais dele. Somos tetra em futebol, o que é que há? Sou mais dele, só dele, para ele.
Bahia, praia branca, terra de Caymi, de Caetano, de Bobó, de cerveja, suor, cachaça e carnaval. Mar azul, coqueiros espetando o céu por isto é que chove muito mulher mulata, dengosa, rendeira, fêmea de fala mansa, inspiradora, foto sem retoque, perfeição, companheira, paixão, inspiração, perdição: intranqüilo sossego?
Bahia! Ah! Bahia…
Gostaria ser baiano, e de Ilhéus. Ser conterrâneo dos personagens do mestre Jorge Amado. Assim, a esta hora estaria olhando o mar, misturando-me à maresia, com uma linda cabrocha ao lado, com todo seu feitiço, seu amar, seu carisma, chamando-me de “meu denguinho”, rindo seus dentes branquíssimos, fortes, certos. Mulata-cabrocha-demônio. Bahia calor calor humano. Alegria contagiante.
Já estava tonto. Bem tonto. Minhas pernas formigavam, via muita gente gesticular perto de mim e não entendia nada. Bahia, Minas Gerais, São Paulo, estradão da volta. Um baque surdo, um sono danado, um sonho profundo, um acordar estonteado.
– Quanto é aí? Voz pastosa, olhos esbugalhados.
– Tanto.
– Toma. Leva e morre o troco.
Mãos nos bolsos da bermuda, óculos no alto da cabeça. Claridade ofuscante. Andar cansado. Mente confusa de tanta viagem.
É assim que se sai da fossa.
É assim quando se tem liberdade.
É assim quando se tem vinte anos… a menos.