Olhos de Ícaro

No final do vôo, seus olhos o viram de longe, como se esperassem por aquele momento e já soubessem. Um mergulho resoluto e um pouso suave sobre aquele muro de fronteiras, o muro do cemitério.
Que belas árvores! Quanto frescor de sombras… Convidavam-no a compartilhar do merecido repouso, o eterno, dizendo-lhe do fim comum, ali, de todas as jornadas.
Eram muitas as folhas mortas pelo chão, ressequidas, e sobre as quais outras milhares, por alguma força ainda viventes, se debruçavam e farfalhavam; moviam-se mansas a olhar para aquelas caídas, como se pudessem entender que a prometida paz, um destino inapelável, é verdadeiramente impossível onde toda a vida se recicla, com tempo infinito, gerando milhares de pequenas e ainda tão verdes aflições, a cada segundo, e que se deixam assim ante a morte imóvel, certa e sob as vistas, fazendo de suas existências apenas uma sombra convidativa.
Os seus olhos, como os de um Ícaro, visionários, então se levantaram para o seu destino. Um outro vôo, de que não se saberia o meio nem o fim, que se reiniciaria sempre, a cada bater das suas asas. Fugiria do convite das sombras frias; voaria solitário na direção do Sol, na direção da luz, até o fim daquele seu começo. E em algum momento, incerto pela sua rebeldia, em que nenhum ruído poderia haver, seria possível, então, o seu repouso verdadeiro.