Quase quarenta anos depois, desço daquele bonde que, anteontem, me levou a São Vicente. Desperto! Irei revê-la hoje, mais de perto.
Como qualquer visão, depois de longa ausência, assusta, gera um pouco de ansiedade e temor. É a mesma expectativa, sobre a recepção que lhe fará alguém que não se vê há muitos anos. A mesma sensação que se tem, ao olhar no espelho com cuidado, examinar atentamente o próprio rosto e descobrir que, por lógica, os bondes já não passam mais por aqui, faz algumas décadas.
Crio coragem, pego o ônibus, e lá vou eu.
Antes da divisa, o pneu furou. Penso em continuar a pé. Desisto, em nome da necessidade de chegar ao endereço que pretendo, dentro do horário comercial. Espero e logo em seguida, vem outro coletivo, até mais vazio que o anterior. Uns pontos de parada adiante, salto na Presidente Wilson e vou caminhando pela Cândido Rodrigues, embevecido. Ainda existem algumas casas simpáticas, antigas e muito bem conservadas. Nesta rua, nesta tarde de sexta-feira, com sol escaldante, parece até que o tempo parou. E eu caminho, encantado, como fizera dias atrás em meu passeio, “de bonde”, por aquelas proximidades.
Na padaria, esquina da Frei Gaspar, peço um café enquanto vou vasculhando a região com meu olhar de jovem. Aí descubro que o tempo passou, realmente. Os trilhos do bonde já não estão mais ali. O Gáudio está no mesmo lugar mas, travestido. Termino o café e, ainda um tanto deslocado, vou percorrendo o caminho de volta, beirando o mar.
Paro, logo adiante, à sombra de um poste, para circunvagar o olhar ao meu redor e perceber que no morro dos Barbosa, onde só havia mato, brotaram algumas casas. No caminho de Paranapuã (a Praia da Vacas) as encostas estão cravejadas de adereços de concreto.
Sou um estranho!
Nem mesmo o soldado constitucionalista, velho conhecido, responde ao meu leve aceno; tão distraído estava, sobre o pedestal da praça, olhando o mar da baía a seus pés.
Hirondelle, Leão de Ouro e outras lembranças vou deixando para trás.
O Nautilus, onde ficava a sorveteria, ainda está no mesmo lugar, na esquina da Rangel Pestana, abrigando agora uma empresa de tv a cabo. Na esquina da Roosevelt, o mesmo casarão daquela época, ainda conservado e vazio. Um pouco mais adiante, a farmácia onde comprávamos o Lacto Purga e o amoníaco para fazer “sangue de diabo”. À porta de entrada do edifício Boa Vista, onde eu vira o Leco… ninguém!
O Mar Esporte não existe mais. Pergunto por ele, na banca de jornais. O homem não o conheceu, está ali há apenas três anos. Vou à quitanda onde o dono, dizem, está no pedaço faz trinta anos. Conta ele, que a loja fechou há mais de dez. Em seu lugar, uma loja de cozinhas planejadas, na esquina da Onze de Junho.
Atravesso a rua e toco a campainha, na Colônia de Férias dos Professores. O senhor, gentil, que me atende, está dando os últimos retoques na pintura. A construção é a mesma de há quarenta anos, um tanto alterada, mais moderna, mas, a mesma. Olho com insistência para o terraço. Passei por aqui, de bonde, faz uns dois dias; como mudou depressa. Pergunto pelo Zezo, que ali eu vira, de dentro do bonde, e o senhor nem o conhece. Agradeço e continuo a caminhada, vou pela Messia Assu, olhando velhos pequenos prédios, ainda daquela época e acabo chegando ao “Fim de Semana”, já um tanto mudado.
Ele ou eu? Creio que, os dois!
Os chapéus de sol do Boa Vista, lá na esquina da Pêro Corrêa, simplesmente sumiram nestes últimos dias.
O que terá havido com a máquina do tempo, será que engripou?