O Caroneiro

Naquela região de Patos de Minas é muito comum alguém pegar carona na beirada da estrada. Certo dia Belarmino acabou de tirar o leite, trouxe para dentro e disse para a mulher que iria a Paracatu comprar umas coisas que, ele havia ficado sabendo, estavam mais baratas do que nos Pato. A mulher lhe disse então que, assim sendo, naquele dia não iria fazer queijo, porque para ela sozinha era muito difícil espremer. Faria então doce de leite, que era mais fácil. Doce de leite era a paixão do marido.
– Intão eu só vô adispois que ocê fizé o doce!
A mulher pôs lenha no fogão, o doce feito às pressas, a tempo de o marido comer antes de ir a Paracatu. Belarmino gostava da rapa que, com a pressa, foi comida ainda muito quente e mole. Muito doce quente, muita água. Lá foi o sujeito para a beirada da estrada pegar uma carona até Paracatu.
Meia hora depois passou uma caminhonete que acabou parando. O motorista lhe disse:
– Suba aí na carroceria!
Mal a caminhonete retomou a toada, ele sentiu um ronco e uma leve, mas firme, pontada na barriga. Pensou ele com seus botões:
– Isso é só um dilurimento, é coisa à-toa.
A viagem seguia com o motorista sem muita pressa. Meia hora depois a dor na barriga começou a encorpar. Mas vinha aumentando devagarinho e ele, segurando o chapéu por causa do vento, deu a primeira ajeitada no corpo, procurando uma posição que diminuísse as pontadas. Não adiantou. Com a movimentação do corpo a massa pôde descer mais um pouco e as pontadas começaram a ficar mais amiúde. A cada pontada já lhe subia também uma fincada na espinha. Pessoa muito simples, jamais pediria para o motorista da caminhonete parar.
– Magina! pedi pra pará mode eu cagá?! Mas é baixo! O home já tá me dano carona, e agora vai esperá eu fazê uma coisa dessa?! Inda mais que eu num sô home de fazê necessidade cum ninguém me espiano!
É… Mas daqui pro Paracatu é muito chão!
Ele ia pensando consigo mesmo e a dor ia aumentando:
– Será que foi o doce que me deu esse devorteio na barriga?
Procurou então um lugar melhor de se sentar, acomodando-se em cima do pneu de estepe, que estava jogado na carroceria da caminhonete. Percebeu que ele estava furado. A essa altura já vieram os primeiros, mas ainda leves, tremores nas pernas.
– Mas essa num é a premera e num há de sê a úrtima! Eu guento! Obrá perto dos ôto é que eu num vô!
Não tardaram alguns calafrios e o arrependimento por ter comido o doce tão quente. Já não tinha dúvidas, era caganeira mesmo. E da braba. Finalmente, uma esperança. O motorista diminuiu a marcha e entrou num posto de gasolina. Imaginou e acertou que se tratava do pneu de estepe.
– Agora, inquanto ele ruma o peneu de estrepe furado eu obro e alivio!
O motorista da caminhonete, com o carro ainda em movimento, perguntou ao frentista:
– Tem borracheiro?
– Hoje não, só amanhã!
Era domingo, dia da folga do borracheiro. O motorista nem chegou a parar e acelerou. Desespero total! Essas falsas esperanças são um perigo. Costuma-se afrouxar a guarda e, até que se retome novamente o retesamento dos músculos, a coisa pode desandar. Meu pai dizia que o perigo extremo da caganeira ocorre quando se desabotoam o cinto e a calça. Vieram então os arrepios.
– Oh, meu Deus! Se quejo prende os intistino, pruquê que doce de leite quente havéra de sortá, se vem tudo da vaca?!
A viagem começava a durar uma eternidade. Procurou desviar as idéias, pensar na economia que faria comprando as coisa em Paracatu.
– Ainda bem que a comperativa ficava aberta no domingo até mei dia… E esse home, que só sabe guiá nessa tuada?! Se eu aliviá nessa carroceria esse home me mata! Além do mais eu só truxe esse uniforme de rôpa! E num tem nem um sabuco pra limpá!
A essa altura Belarmino já batia queixo. O suor frio lhe escorria pelo corpo e as pernas já estavam totalmente sem controle. A cada solavanco da caminhonete ele pensava na morte.
– Vai vê que lá nos Pato as coisa num tá tão mais cara assim! E se eu sortá um vento?! Às veiz miora… E se ele num vim suzim?!
Era melhor não arriscar. Afrouxar agora poderia ser um desastre. A vista já escurecia e clareava, acompanhando cada nó que era dado nas tripas. Nunca havia sido tão difícil segurar um chapéu.
Após mais de hora nesse calvário, finalmente, ao longe, apareceu Paracatu. Outra esperança. Ele não se deixou esmorecer. Juntou todas as forças, respirou fundo e continuou retesado. Tremia e salivava. Quando enfim a caminhonete entrou em Paracatu, logo na avenida de entrada, pista dupla com coqueiros no centro, várias casas de um lado e de outro, ele, num esforço descomunal, se levantou e deu três batidas na boléia da caminhonete. O motorista parou, ele desceu, mal agradeceu e saiu procurando um lugar para se esconder e se aliviar. Qual nada! Era casa por todo lado, ele em desespero não aguentou mais. Baixou as calças, se escondendo atrás de um coqueiro do centro da ilha, se é que tem jeito. Um menino que passava de bicicleta, ao vê-lo naquela situação, gritou:
– Ô cagão!!!
E ele todo arretamado, mas aliviado e feliz:
– Ô andadô de biscreta!!!