Tiara de Algodão

Era uma vez de sonhar, outra de cobrar esperanças. Ramira voltou para casa com os olhos roxos da noite. A putinha da noite anterior. Nenhum cavaleiro noturno desembainhou a sua espada e raptou-a do dragão. Ali se feriu de nostalgia.
Ramira chorou por mais um tempo, borrou a pintura, as hematomas da alma se exilaram ao redor dos olhos, então, ela adormeceu. Sonhou com o macho desconhecido. Depois sorriu e chorou em seguida. Depois dormiu e pediu perdão. E o dia também amanheceu naquele outro lado do lugar.
Numas dessas leituras Ramira encontrará o homem que desafia seu próprio espanto. Será uma possível solução para ambos. O circo derreterá a lona. Ramira vai amar esse homem com um pecado tão medonho que o futuro será ainda maior dentro de sua incógnita. Ele não vai desistir de acender todos os desejos de Ramira. À cata de espantos. E lá dentro dela, encontrará o pássaro, o céu, a cachoeira, o lago adormecido, o cheiro do silêncio, a crueldade da paz e o instante de morrer como um homem fragmentado, mas mesmo assim, feliz por ser um caco da sublime condição.
Por enquanto, o dia invade a casa. Dia alto, mais para proparoxítono, sem apatia, nem chuvas, como poderia imaginar o romance de Lucas, escrito anos atrás. Ramira nem desconfia que todo acordar é permissão para que a morte se aproxime.
Quando chegar a hora, direi, ele acercar-se-á do seu dia. E constatará que aquela casa é muito real.
O almoço é de fumaça. Ramira parece uma alma desprevenida que não percebeu o trem rasgando as costas. Mal sabe ela que começa a fazer parte de um elenco frouxo de uma novela com recheios bem batidos da clara de ovo. Se não insípidos, desgraçadamente inodoros ao nariz de um narrador inconsistente. Ela tem fome apenas. E tudo isso não passa de uma certeza.
Livra-se do rosto de ontem. Vê-se ao espelho. Ainda é bela. Tem uns olhos de lua cheia. sobrancelhas finas, naturalmente. Um nariz perfeito para o roçar amoroso dos esquimós. E uma cicatriz, doce, como se uma cicatriz fosse uma guloseima, mas que naquele rosto ovalado, aquela marca de lâmina é a linha que delimita a ternura de uma bela mulher, de Ramira, frágil, consumida, não é um anjo, aquela que embevece o narrador. É Ramira, apenas. Reflexo desprovido, ela lava o rosto, o dia ainda será longo, e acentuando a curva ruiva dos cabelos, pensa na menina de ontem com a tiara de algodão.
-Mamãe, olha como estou linda!
E a mãe roubava seus dias com a doença do desespero. Ela seria ainda uma rainha, ou a própria desgraçada. A profecia fora fatal.
-Mamãe, quando eu crescer vou ser miss…