Encantar-se é pensar simples, em troca de uma vida, se preciso for.
“Harold! Harold, acorda!”
“Que foi?”
“Sonhei com a corda de novo. Estou com medo.”
“Nada não… dorme!”
Daria a vida para corresponder ao sonho. Pensa, mas não tem coragem suficiente para comprar a corda de náilon azul.
E Anacleto, amante, andava – estava ficando indiferente…
“Harold!”
“Que foi?”
“Sonhei outra coisa.”
“Não é melhor descansar? O trabalho…”
“Não! É melhor a gente conversar.”
“É?”
“Não foi com a corda que sonhei.”
“E daí? Você está nervosa. Dorme, tenta dormir…”
“É quê…”
“Psiu!”
Anacleto andava diferente, não olhava mais azul, olho de apaixonado. Sorria amarelo, falava desbotado, nenhum matiz nas ações. Ela se sentia abandonada.
“Harold!”
“Que foi?”
“Não quero mais viver com você.”
“Está bem. Mais tarde a gente resolve isso.”
“Harold! Não estou brincando…”
“Eu sei, dorme!”
Quem poderia fazê-la sentir-se forte, amparada? Sentia-se duplamente abandonada. Harold trocava a palavra pela ausência. Não sabia vivê-la em azul. Anacleto era sonho já e nem sabia mais que era ele mesmo uma corda de náilon azul. Difícil sonhar assim. Anacleto de náilon, acorda!, ela implorava a Harold, mas…
Enfiada nas pendências do dia, deixou-se e dormiu. E não sonhou dessa vez. Anacleto abandonara-a definitivamente. Harold, ao lado, desprezara-a, amavelmente. Fim.
Ela levantou-se, e ainda era mais cedo que todos os outros dias. Seria menos um aquele. Fugiria também. Fim de tudo.
Pensou simples… e encantou-se.