A Vida Privada

O celular tocou na pior hora possível. Edmílson chegou a ponderar que não era o caso de atender. “Se esse aparelho tivesse identificador de chamada”, cogitou. Não tinha. Roçou os dedos pelas teclas reluzentes, pensativo. Esperou novo toque. Curiosidade mata. Outro toque. Ele atendeu.
– Alô! ­ disse, com voz sumida.
Era Cláudia, a namorada. Arrependeu-se de ter atendido. Era tarde.
– Edmílson Aparecido, quer fazer o favor de dizer onde você tá que eu tô esperando faz mais de…
Cláudia estava uma fera. Berrava e não deixava Edmílson falar. Ele tentava:
– Benhê, só um minutinho…
– Mais de uma hora, seu cacho…
– Deixe só eu me ajeitar! ­ pedia.
– E eu aqui feito bo…
– Mas benhê, espere, por favor! Você me pegou numa situação complicada, não vai dar para falar agora.
– O quê?!? Ah, já sei! Aposto que você está num motel com uma zinha qualquer. Como é o nome dessa vagabunda, seu pilantra? Diga! Aposto que é aquela secretá…
– Não é nada disso, meu bem. Eu posso explicar. Um minutinho só… Uuugh!
– Hugo? Tem algum Hugo aí? Edmílson Aparecido, eu não acredito que você está num motel com um homem!
Nesse mesmo instante, o faxineiro entrou no compartimento ao lado de onde estava Edmílson.
– Algum problema aí, amigo? ­ perguntou, batendo com a ponta da vassoura na divisória.
– Está tudo bem, amigo! ­ respondeu Edmílson.
Cláudia foi à loucura:
– Amigo? Edmílson, quer fazer o favor de se explicar. Quem é esse seu ami…
– Não, não, nada disso. Não é um amigo, Claudinha querida…
– Eu não tô surda, seu safado!
– Nem o conheço, juro! É… Uuuugh!
– Já sei que o nome dele é Hugo, seu palhaço! Não precisa repetir! Então é isso, você nem conhece o fulano direito e logo vai saindo com o cara. Os dois juntos num motel…
– Não é bem isso, Claudinha, eu posso…
O faxineiro despediu-se:
– Amigo, tô indo! Se precisar, é só chamar, ó quei? Meu nome é Hugo.
– Está bem, Hugo! Muito obrigado! ­ gritou Edmílson.
– Aaaaaai, eu não acredito, Edmílson! Como você pode ser tão cara de pau… – esbrevejou a namorada.
– Pára de chorar, Claudinha, você não está entendendo nada. Cláudia era um desespero só. Entre uma descarga de lágrimas e um soluço, ia dizendo:
– Num cridito! Não a-cre-di-to, Edmílson. Como você pôde me enganar esses anos todos? E a tonhó aqui nem desconfiava… Puxa vida, como eu pude ser tão cega, tão idi…
– Espere, querida! ­ ele implorava em vão.
– E não me chame de querida, seu traidor! E justo com o Hugo! Mas quem é esse Hugo mesmo, Edmílson?
– Não tem nenhum Hugo aqui…
– Pare de mentir, que eu ouvi muito bem…
– Fique calma, amor! Tô numa posição delicada, espere só um pou…
– Ah, eu sei. Posso bem imaginar a posição delicada em que você está, seu… seu… – Cláudia chorava .
– Peraí, ô Claudinha! Eu já acabei. Deixa só eu erguer as calças.
– Aaaaaai, pára, seu cretino senvergonho! Ainda tem a pachorra de avisar a hora que acaba… Me poupe, Edmílson! Ai, minha nossiora, me acuda! Me acuda que eu vou ter um treco!
– Calma, Cláudia! Pare de chorar e ouça o que eu tenho a dizer…
Ele colocou o celular entre as pernas para levantar-se, para poder erguer as calças, ao mesmo tempo em que pressionava a válvula. O aparelho caiu. Do outro lado da linha, Cláudia ouviu o “tchibum”. Seguiu-se um chiado e um silêncio.
– Edmílson! Edmílson! Ah, eu te pego, fiduma égua!
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Num casebre à beira do poluído rio Capivari, seu Agripino voltava de uma pescaria frustrada. A mulher quis saber o que ele havia conseguido:
– Só isso aqui, muié ­ disse ele, mostrando o celular de Edmílson.
– Diacho! E pra que que serve um troço desses? Pra fritar é que não será.
– Sei lá, muié. Essas invencionices dos home da cidade grande…
– Modernidades. Carqué dia os home ainda vão inventar um aparelho que vai enxergar inté as tripas da gente.
– Pois é. E como fede essa desgraça! ­ disse Agripino, enquanto jogava o aparelho. Na lixeira do banheiro.