As Férias de Umberto

UMBERTO descreve tudo sobre suas férias que passou na casa de seus avós no interior de São Paulo.
Sim, Marcelo o irmão menor, estava mui ansioso para saber como foram as férias de Umberto.
– Conte, mano. Conte logo vá! Senão eu morro de tanta curiosidade…
– Vamos lá então: meu pensamento parecia ter criado asas; voou, voou, acabou pousando lá bem distante daqui. Justamente na casa do vovô, lá no interior. Ah! Que maravilha! Eu me levantava de manhã bem cedinho, todos os dias; tomava aquele café com bolinhos de rabinho que vovó fazia. Que delícia! Outras vezes ela fazia bolo assado no forno, biscoitos de polvilho de mandioca, às vezes assava bolo de milho verde; o cardápio era mudado todos os dias. Não é igual aqui na cidade que não tem muita opção tendo que comer pão de padaria ou bolachas de manhã. Sim, às vezes vovó assava pão caseiro, É muito delicioso mesmo.
Como ia lhe dizendo: eu me levantava de manhã, apanhava um velho chapéu de palha, calçava meus tênis, vestia um short (bermuda), uma camiseta e ia pra beira de um rio lá existente. Pescava de peneira, às vezes de anzol. Mas o que mais me agradou e eu fazia todos os dias, era tomar banho de cachoeira. Hummm !!! O calor de verão é intenso como sempre e aquele não foi diferente. Às vezes vovó fazia essas recomendações:
– Filho, toma muito cuidado, porque na beira do rio com esse calor, tem cobras. E mais, volta logo pra almoçar. Tá?
Eu acabava até me esquecendo de voltar logo pro almoço, quando me lembrava, já era bem tarde. Raras vezes eu voltava logo. Ah! mas que saudade !
Vou pedir pra mamãe e pro papai, nas próximas férias você irá também, Marcelo. Que acha disso?
– Eu acho muito bom. Pena que vai demorar um montão de tempo ainda pra chegar outras férias! As aulas estão apenas começando.
– Que nada, vai passar depressa, ocê vai ver.
O entardecer na roça é tão lindo! O sol avermelhado vai desaparecendo como um viajor, bem devagarzinho lá detrás das montanhas. Eu às vezes ficava olhando aquele espetáculo da natureza (Criação das mãos de Deus), até o seu total desaparecimento. Os pássaros em revoadas cortando os céus de um lado para o outro, à procura do repouso noturno. O horizonte fica límpido, de uma beleza esplendorosa, quase indescritível. Um vento frio sopra do Sul para o Norte, folhas secas em grande quantia rolam pelo chão. Pronto, a noite já é chegada. Silencia os pássaros do dia, não se ouve mais ruídos de carroças, apenas de vez em quando se ouve o mugir de uma vaca com saudade do bezerro, ouve-se latidos de cachorros, e o alvoroçar das corujas, dos caburés e dos curiangos, que são as aves noturnas. Lá, ninguém vai pra cama muita tarde, muito tardar 10 horas da noite. Todas as pessoas repousam, pra noutro dia levantarem cedo e recomeçar um novo dia de trabalho. O vovô falou que lá não têm férias pra ninguém. As pessoas de manhã bem cedo vão pra lavoura onde plantam: milho, feijão, arroz, café, algodão, soja, cana-de-açúcar, laranjas, etc. outras pessoas vão ordenhar.
– Mano, o que é ordenhar?
– Ordenhar, é o mesmo que tirar o leite das vacas.
– Ah! Sim, continue! Está gostoso lhe ouvir.
– Têm uma infinidade de trabalhos dos mais variados. O vovô é aposentado pelo Fundo Rural. Mas ele não tem paciência de ficar atoa. Ele é quem leva o almoço pro pessoal lá na roça. Ele também montou uma pequena oficina pra consertos de bicicletas: pinta engraxa, troca peças, enfim deixa as velhas bicicletas quase novas outra vez. E sempre aparece serviço. Às vezes eu desistia de ir lá pra beira do rio, ficando com ele o dia todo, mexendo em peças, nas ferramentas, nas latas de tintas, mexia em tudo ali.
– O vovô não raiava com você, Umberto?
– Não. Ih! Ocê nem imagina como ele é carinhoso. Pra lhe dizer a verdade, eu nem sei bem, se eu o ajudava, ou se mais o atrapalhava, mas ficava ali sem me cansar de traquinar. Muitas vezes eu ficava preto de graxa, sujo de tintas, e o vovô carinhosamente me dizia:
– Filho, você está parecendo um macaquinho.
E, eu adorava ele me dizer assim, ficava empolgado em estar junto dele a reinar; eu também dizia pra ele em tom de elogio: – vovô, o senhor é o mais querido de todos os vovôs do mundo, sabia? – sim, filho. O vovô é o segundo pai, por isso mesmo que ama duas vezes mais o seu neto.
E nisso, ele me abraçava bem forte. E de alegria, às vezes chorava.
Um dia, bem à tardinha, apareceu um garoto filho do vizinho e disse pra vovó:
– O pai de Umberto quer falar com ele.
A vovó sem se integrar bem do que o garoto dizia, replicou-o dizendo:
– Mas como, falar com ele? O pai dele está bem distante daqui, está na capital de São Paulo!
– Não, dona. É por telefone, se puder e quiser ir, é agora.
Eu mal ouvi a conversa, vim depressa lá da oficina e perguntei:
– É na sua casa?
– Sim, – disse ele.
Eu sem pensar duas vezes, disse: – Então, vamos.
Saímo-nos em disparada.
– Boa tarde, seo João!
– Boa tarde, Umberto!
– Onde está o telefone?
Muito sorridente o seo João me apontou o aparelho com seu indicador direito.
– Lá está, sinta-se à vontade!
– Alô! Com quem estou falando?
– É o papai, filho. Como está, com saúde?
– Estou bem, papai. Estou com saúde, aqui é bom demais! E aí em casa, como vão?
Meu coração disparou a mais de cem por minuto.
– Está tudo bem. Eu, sua mãe, o Marcelo estamos com saudades de você, parece fazer um ano de sua ausência. E, quando voltará?
– Nos últimos dias das férias, papai. Aqui junto do vovô, da vovó e dos tios, é muito bom. Confesso pro senhor, que se pudesse jamais voltaria pra casa.
– Não fale assim, filho. O papai acaba morrendo de saudade de você. Mas afinal, divirta-se bastante, você estando feliz, faz a felicidade do papai e da mamãe também. Sua mãe envia um abraço pra você.
– Outro pra ela, pro senhor, pro Marcelo um beijo. Tchau paizão!
– Tchau, filho. Deus o abençoe!
– Amém!
Com esse fim de conversa, o telefone: tum, tum, tum… Era papai que acabava de desligar. Meio sem acreditar que papai havia desligado, coloquei o fone no gancho, passei levemente a mão nele, fiquei meio retraído e por pouco eu me punha a chorar. Aí a saudade começou a me perseguir pra valer, um aperto no meu peito, a ponto de nem saber o que eu mais queria: vir embora ou ficar com o vovô e a vovó por mais uns dias, até findar as férias. Depois de uns instantes, voltei minhas atenções para o garoto e para o seo João seu pai. E: Obrigado garoto! Obrigado seo João!
– Obrigado de quê? Umberto! – Disse seo João educadamente.
– Pela sua bondade e gentileza em me avisar do telefonema, foi muito bom ter falado com meu pai.
– Não há o que agradecer, filho. O telefone é pra se usar mesmo.
– Isso é bondade sua; na cidade as pessoas não gostam que use seus telefones, às vezes deixam usar porque sempre têm os caras-de-pau. Mas cobram quando vem a conta. Bom, na cidade têm os centrais telefônicos e muitos orelhões e nem precisa mesmo usar o telefone do vizinho. Mais uma vez: “Obrigado! Seo João”. – Por nada, querido! Se você quiser ligar outra hora pra falar com seus pais, sinta-se à vontade. Ligue quando quiser. Tá?
– Sim, eu agradeço sua bondade, seo João. Se me der vontade, eu virei outro dia ligar.

– Marcelo, ocê precisava ver que povo simples e bom. Seo João deixou o telefone ao meu dispor.
– Umberto, e você não nos ligou por quê?
– Sabe, Marcelo. Eu pensei bem, já estava bem próximo d’eu vir embora, achei melhor vir sem avisá-los.
Mas vou lhe contar: quando tive que avisar o vovô que no dia seguinte estaria de partida, vovô chorou em silêncio a tarde inteira daquele dia. Sem dúvidas, ele é mais amoroso que a vovó. Veja como foi:
– Vovô, amanhã estarei indo embora, já comprei passagem e preciso ir. As aulas terão início daqui a poucos dias. Mesmo antes de partir estou pressentindo a saudade que irei sentir do senhor, da vovó, dos tios, de tudo e de todos daqui.
– Filho, “assim é a vida”.O que fazer, né? Você precisa ir; mas acredite! nós também iremos ficar com saudades de você. Mas foi um prazer enorme tê-lo em nossa companhia todos esses dias. E, de antemão, em nome de todos peço desculpas por não tê-lo tratado melhor!
– Que isso, vovô! Melhor do que me trataram, é impossível. Não há o que desculpar, vovô.
Naquele momento, olhei firme pro vovô e ele também olhava pra mim, vi uma tristeza estampada em seu olhar. As lágrimas escorriam no rosto dele. Ele me falou:
– Volte logo, filho.
– Sim, vovô. Nas próximas férias, se assim Deus me permitir.
No dia seguinte, logo bem cedo, vovô se levantou, fez o café, já tinha leite quentinho do dia e um bolo saboroso que tia Esther havia assado no dia anterior. Juntos tomamos o café. Quando estava quase na hora d’eu partir, ele me pegou com as duas mãos a minha mão direita e me falou:
– Filho, dê nossas lembranças ao seu pai, à sua mãe e ao seu irmão Marcelo. E diga a eles que vinham também nos visitar. Pra o vovô ir lá, se torna mais difícil. Peça a Deus pra me dar vida e saúde e quando você voltar novamente, eu o farei companhia em suas pescarias. Tá bem?
– Sim, vovô. É um prazer tê-lo junto de mim.
Ele me abraçou bem forte. Eu já estava pronto pra viajar, me despedi dele e da vovó, parti deixando-os com muita dor de coração. E, deixei tudo de bom que havia desfrutado por alguns dias. O vovô e a vovó ficaram me olhando e me dando tchau enquanto o campo de visão nos permitiu, eu também acenava com a mão, como que dizendo tchau. Adeus! Um dia voltarei se Deus quiser! Até lá! …
– Umberto, quase que você matou nossos avós!
– É, mas não tinha como e nem podia sair sem me despedir deles.
– Tá bem. Conte-me algo mais. Conte!
– Lá, o vovô sempre me orientava recomendando sobre os perigos, por exemplo: ser picado por uma cobra, por uma aranha (tarântula), por um escorpião e por outros bichos bravos que há muito no mato. E pra isso eu voltava toda a minha atenção. Mas um dia eu beirava o rio, encontrei uma cobra cascavel, por pouco eu pisava nela. Saí em disparada, aos gritos fui parar lá na casa do vovô em menos de dez (10) minutos, um trajeto que eu levava normalmente trinta (30) minutos. Vovó pensou que o pior houvesse acontecido; antes de me indagar sobre o espalhafato todo que eu fiz, ela me deu um copo d’água pra eu tomar. Falou-me que quando a gente leva um grande susto, um dos primeiros socorros é tomar um pouco d’água. Até que voltei à calma e contar que tudo não passou de um grande susto, que não havia sido picado pela cobra.
Quase me despiram, pois, eu não conseguia falar nada. O chapéu eu perdi; tiraram meu par de tênis, a camiseta, a bermuda, se eu me fraquejasse eles tiravam até a minha cueca. Aí, seria fatal. Coitado do vovô, a partir daquele dia, ele passou a ir comigo pra me fazer companhia. Com todo carinho ele me falou:
– Quem nos guarda é Deus, mas vou fazer companhia pra você, não quero que vá pra beira do rio sozinho mais não.
Ele me orientava em tudo. Também me falou que não gosta que mate passarinhos, nem que corte árvores e muito menos atear fogo no mato. Disse que todos nós somos responsáveis pela ecologia, que pelo menos cada um temos de fazer a parte que nos pertence. Falou que a preservação da natureza cabe a cada cidadão que se preza e ama a natureza. Disse mais, o descontrole do tempo, por exemplo, o grande espaço de estiagem em certas regiões do Brasil, advém do desmatamento irregular, prejudicando a atmosfera. Depois culpam o “El Niño”. Culpam a La Niña.
Também me falou que muitas coisas já se extinguiram, isto é, não existem mais. Por exemplo, certos tipos de animais e plantas. Desapareceram os últimos exemplares da espécie. Outra coisa que vovô me falou: “nós podemos pescar, mas tendo os devidos cuidados para não prejudicar a natureza. Os peixinhos miúdos devem ser devolvidos ao rio”.
E, eu fazia isso todos os dias que pescava, com todo cuidado.
Eu só voltei agora, porque as férias já estão findando. E as aulas irão iniciar a todo vapor. Eu não sou de perder aulas, ocê sabe muito bem disso.
– Umberto, você não trouxe nada de lá pra mim?
– Eu pensei em trazer uma árvore de lá pra você, mas…
-Umberto, você está mais impossível, porque não dizer mais impulsivo que antes de ir pra casa do vovô!
– É brincadeira, Marcelo. Não leve a sério. Eu trouxe umas frutas saborosas procê. Bom, pra não virar rotina, depois eu lhe contarei algo mais, por hoje é só. E chega mesmo. Tá?