Maria conheceu João pela net. Descobriram-se assim, extasiados, coisas em comum, manias, cismas, Maria e João – concluíram – tinham nascido um para o outro.
Em plena avenida domingueira se beijaram, João tentou passar a mão nos seios dela, não deixou. Afinal, Maria era dona séria demais, que negócio é esse? Então, João beijou de novo, ela mordeu-lhe a língua, a mão tremendo feito um passarinho novo no vento da madrugada, saída a mãe para buscar comida.
E nunca mais se largaram, noite e dia, via net.
E-mails pra lá e pra cá, ambos comprometidos: João noivo, Maria casada, filho pequeno e um escritório pra cuidar. Mas escapavam nos dias de semana, fugiam do mundo e das pessoas. Se amavam demais. Beijos cheios de desejo, abraços que duravam tanto, Maria descabelada, nuinha em pêlo, que nem pro marido se descobrira assim.
Gozavam juntos histórias e invenções. Inventavam jeitos que nenhum dos dois tinha ainda experimentado…
João encantado, Maria também. Aquele estrupício do marido? Nem pensar. Parara de tentar frustradas coisas com ele. Agora era só de João. Aos poucos, a sócia chamava a atenção dela: Maria chegando tarde, Maria atrasando coisas, Maria, que é que está acontecendo com você, mulher?
Maria na net, Maria enlouquecida na net, João na net, enovelaram-se nas teias da net. Esqueceram o mundo, os dois. Comiam-se de desejo pela net e depois, enfurecidos, lambiam-se, cobriam-se de gozo, comentavam o quanto eram também bons pessoalmente.
Maria mudou a vida dela, João também.
Entregaram-se um ao outro, eles. Eram abraços tão doidos, beijos sentidos, coisas fora do lugar. A mulher da portaria do motel sabia até a preferência dos dois: apartamento 33?
Amavam-se. Maria zureta assim, endoidecida assim, só pensava em João. Parece que João nela, sei lá, que ela sabia muito bem que João era cheio de mulheres na net. João sempre tivera suas mulheres na net e, embora nem contasse pra Maria, sabia ela, claro, que ele tinha se envolvido pessoalmente com algumas delas.
Mas pra Maria era coisa nova aquilo. Sempre fora recatada, moça de boa família, casada, boa mãe. Então sonhava sonhos engraçados: se João me ama, nos amamos tanto, vamos poder ficar juntos, amém.
Às vezes desconfiava dele e um dia recebeu um e-mail que, claro, viera pra ela por engano. Era pra outra, sabia. Aliás, João era engraçado: gostava de se envolver com mulheres da mesma espécie: todas ligadas à profissão dela, iguais a ela. Começou a desconfiar que ele só a escolhera porque moravam ambos na mesma cidade, era mais fácil e mais perto, sem viagens e sem outros danos ou cansaços.
Maria sabia, desconfiava de algumas coisas, ora… mas tolerava, quieta, até que explodiu. Falou coisas horríveis pra João e, por fim, vencida pelo amor de mão única, acabou pedindo desculpas. Mas, pobre dela, resolveu pedir a ele para que conversassem seriamente sobre eles mesmos, os dois.
João consentiu, disse que também gostaria.
Na cabeça de Maria, uma interrogação: se João me ama, não sabe viver sem mim e eu sem ele, o que podemos nos dar um ao outro?
Esperava algumas coisas, claro. Mas esperava. Combinaram pra uma quarta, Maria saía do trabalho e ia, de táxi, direto pro motel.
Mas João telefonou pra ela: a noiva descobrira tudo.
E agora, mal podiam falar-se por e-mails ou ICQ. João estava sendo vigiado todas as noites pela moça. Não poderia entrar na net porque se a noiva ligasse saberia que ele estava falando na net… Mas dizia a ela que estava em casa, que a amava, tão impossível viver sem ela.
Maria gastou os dedos, clicando em cima do ícone da caixa de correio. Coitada. Depois, ficou com raiva: João me engana, inventou esta história toda, este tormento e esta angústia, não é possível. João me engana.
Os e-mails dele, tão longos no início da separação, reduziam-se a um por dia, no máximo, assim:
“Maria, eu tb te amo, impossível ficar sem vc. Ainda bem que está ao meu lado, não fosse isso, eu já teria morrido …”
Maria se contentava, entristeceu, emagreceu. Os cabelos começaram a cair, enrugou. João sequer ligava pro trabalho dela, o escritório de advocacia agora às moscas, de tanto perder prazos dos processos. Tudo por culpa do João.
Maria de calças bambas caminhando sozinha, no frio. João sumira.
Um dia, telefonou pra ele:
-João, que é que está acontecendo? Nem meus e-mails você lê mais…
João era também advogado, a noiva de João também…
-Leio, claro que leio… é que esta mulher fica em cima, no escritório não me deixa, me vigia dia e noite. Não tenho respondido por falta absoluta de oportunidade. E nem tenho ligado, desculpe, mas sequer posso respirar sem pensar em você.
– Quando vamos nos ver, João?
– Olha, não sei, não, mais acredito que na semana que vem. – Está bem, me liga?
Maria chorou o dia inteiro, olho inchado, planejando a vingança: me paga.
Já nem era amor o que sentia, era o viés, o avesso do amor, que nem boba era.
Na semana seguinte, João ligou, falava baixo, saudades de você, princesa… preciso de você agora, meu amor, você quer? Estava era cheio de tesão, pensou…
Sem vontade, disse que queria, queria sim, se queria!!! E quando viu João pelado sobre a cama do apartamento 33, nem teve dúvidas: tirou lentamente o revólver da bolsa e descarregou a arma inteira no filhadaputa. Uns tiros, alegou o promotor no dia do júri, pegaram no braço, mão, coxa, pescoço, como se a vítima estivesse se defendendo… Mas o que matara João fora aquele, em pleno peito, que a perícia avaliara, avaliara e concluía: a vítima, pobre homem, estava de joelhos… A ré se abaixara e o atingira em pleno coração. O promotor insistia: a vítima estava de joelhos, de joelhos, de joelhos… Decerto pedindo perdão. Mas Maria não conta, Maria só ri de olhos esgazeados… de vez em quando, chora. De qualquer maneira, também atingiu seu próprio coração.