Evolução

Sempre que sou obrigado a caminhar muito, meus pés se desgastam demais. Por isso, quando posso, evito longas caminhadas. Limito-me a ficar pisando no mesmo lugar, apenas para me exercitar. Ultimamente meus pés já não se regeneram como antigamente.
Na última jornada, em terreno pedregoso, áspero, o desgaste chegou até os meus tornozelos; e foi necessário um longo período para que os tecidos, nervos, cartilagens e ossos se recompusessem. Não sangra. Por algum processo desconhecido o meu sistema circulatório bloqueia e cauteriza seus extremos, evitando a hemorragia quando o desgaste atinge as zonas mais sensíveis e irrigadas. Dizem ser isso uma defesa do nosso organismo. Mas causa um certo incômodo; e me irrita profundamente ter que esperar meus pés crescerem novamente.
As mesmas conseqüências sofro nas mãos. A sua utilização diária em árduos trabalhos, aos quais me obrigo sem motivo aparente, ocasionam constantemente perdas de dedos. E tenho que parar, até que um novo dedo comece a surgir, branco, sem unha, recente, e se desenvolva até o ponto em que posso novamente usá-lo.
Há registros, levantados por arqueólogos, de que antes, muito antes, há milhões de anos, não era assim. O corpo humano não sofria essa rápida deterioração. Levava, em média, setenta anos – ano é uma unidade baseada nos movimentos de rotação do planeta, o método rudimentar então usado para contar o tempo. Atualmente, a vida é mais curta. Se medida na tal unidade arcaica, perde-se completamente qualquer referência. Resulta em algo em torno de dias – dias consistem em pequenas frações dos anos. Há ainda subdivisões em horas, minutos e segundos. Coisas obsoletas, essas formas de contagem ininteligíveis e abstratas.
Pelo que demonstram os relatos científicos e as experiências que estão sendo realizadas – embora sempre interrompidas em razão da curta existência dos cientistas – é seguro que, brevemente, teremos que viver nas águas. A teoria é admirável, embora muito combatida pelos céticos.
Nosso corpo assumirá uma forma esguia, favorecida por carapaças – grandes no início e, depois, por pequenas lâminas que nos protegerão do atrito com a água. Não se sabe ainda como respiraremos.
Certamente não será como hoje: através dos dezessete orifícios existentes no alto da nossa cabeça, que coletam o ar rarefeito purificando-o para o uso do nosso débil organismo. Fala-se em algo denominado brânquias, ou guelras, que surgirão na época adequada, durante o processo de adaptação ao novo meio. Nossos sete membros desaparecerão, dando lugar a uma espécie de barbatana lisa, flexível e de cores brilhantes que possibilitará nossa movimentação a incríveis velocidades.
Lamentavelmente, não serei beneficiado por essa nova existência, já que morro hoje à tarde, quando expirará o meu prazo de vida legal de sessenta e quatro átimos.
Mas, para os meus descendentes – hoje nasceram mais treze, do meu ombro direito onde, todos sabem, temos o nosso aparelho reprodutivo – há uma remota possibilidade de usufruir das comodidades que a nova forma de vida promete…