Mais ou menos, na verdade tudo era um rodízio, a calça de hoje num, virava a de outro na próxima festa e assim íamos vestindo sempre coisa nova!
Bem, banho tomado, perfume, cabelo penteado, e a tal roupa nova! Era acabar de se vestir e ir correndo lá pro boteco do Armando.
Era “Fogo Paulista”, cana, gin, catuaba e sei lá mais o quê, tudo virado ao som de vira, vira, virou! E virávamos outra pessoa. A cana dava assim uma coragem, um embelezamento por dentro e uma tal de timidez nunca mais!
E tome o último que tá na hora.
O velho Skoda bordô (pombas! Skoda era uma marca tcheca, já eram raros desde aquele tempo ou seja, já era um ferro velho ambulante desde quando o pegamos) cheio com gasosa e nós 6 lá dentro, cheios de álcool.
Vai, naquele tempo beber e dirigir era apenas uma cagada, hoje é multa e tal e coisa, daí, íamos, completamente mamados em direção ao evento que podia ser tanto uma festinha qualquer como uma festona de 15 anos, onde era certo se arrumar!
Foi chegar e parar do lado da saída dos bebes.
O Curuja foi logo dizendo:
– Muitas gatinhas, hoje a coisa vai ser boa!
E tome procurar e rodar o salão e sorrir e estufar o peito.
Foi quando um grupo ao redor de uma menina deu a maior bandeira: todos os homens falavam assim meio se mostrando, assim chamando a atenção da moça, que olhada de longe parecia apenas uma linda mocinha.
Qual o quê! A menina era uma gatona, a coisinha mais linda do universo todos estavam ali tentando puxar assunto e a moça, neca!
O nosso grupo foi logo tentando chegar perto e afastando os gatos pardos que estavam babando.
O papo era furado:
– Que linda você é!
– Qual seu telefone?
– Quer dançar?
Tiro d’água, a moça nem tchuns! olhava para anteontem e volta e meia dava uma amostra grátis de sorriso.
O Jacaré perguntou:
– E a gracinha como se chama?
Ela respondeu:
– Itaara e eu duvido que alguém saiba o que quer dizer!
O bobo aqui, repositório de informações inúteis, rapidinho responde:
– Bem, em tupi, ita é pedra e ara é altar logo, é pedra de altar lindo nome!
Foi responder e a super gata se virar e passar a me dar a maior atenção; para o desespero dos outros que não entendiam como é que uma coisinha daquelas tava me dando bola!
E dançamos e falamos e encostamos e beijamos.
Eu estava no céu, ereções à parte!
E transformando a vida dos amigos no inferno eles faziam gestos obscenos e diziam besteiras para ver se eu dava mole.
Neca agarrei a gata e agora ela tá na minha!
Foi dança e beijo até de madrugada!
Marcamos praia pro dia seguinte ia ver a coisinha linda de biquíni! Pombas! Nem eu mesmo acreditava.
Voltamos para casa com a turma gritando e falando que isso e aquilo que não podia ser, que ela tava enganada. O Paulinho 120 até falou que na verdade ela queria era ele e tinha ficado comigo por pura implicância! Qual! Eu tava era posando de herói! Tinha lavado a honra da turma conquistei a menina mais bonita da festa! E amanhã, ia ter biquíni!
Domingão de sol, acordei e me lembrei da festa, da gata, da praia! Os dentes foram escovados de passagem, a sunga vestida no corredor, desci a escada pelo corrimão e ouvi a minha mãe dizer:
– Cuidado com a mobília, meu filho, vai que você bate no fim do corrimão e pum! Adeus meus netos!
É verdade, tinha que cuidar da coisa, ia encontrar a lindeza, de biquíni! A imagem não saía da minha cabeça! Como eu devia me comportar, o que devia falar, pombas! Ontem eu estava mamado, era outra pessoa, o que eu deveria ser para ela gostar de mim ora! Ela já gostava!
Que bobagem! Era ser eu mesmo e pronto! Ia ser o Rei da Praia, todos iam ficar cheios de ciúmes, eu ia arrebentar!
Liguei pro Baleia e falei que já estava indo. Ele cheio de sono rapidinho se levantou só pra ver a gatinha! É, eu ia botar pra quebrar!
Na praia, cheguei perto da carrocinha de cachorro-quente onde marcamos encontro. Os minutos demoravam para passar, a danada não vinha será que ela tava apenas brincando comigo era areia demais pro meu caminhãozinho! Vamos cara, confia no seu taco!
Alguns cigarros depois, ela apareceu, desceu de um carrão importado com motorista e a moçada que já estava azucrinando começou a murmurar!
Linda! Gostosa! O que foi que ela viu no Juca! Vem meu bem, vem pra essa praia que te espera! Sereia!
E a menina, pedra de altar que era, com o nariz empinado (nossa, ficou mais linda ainda!) me deu o braço e fomos entrando na areia, assim como rei e rainha!
O pessoal andava atrás, falando e eu nem dava bola. Tava no meu momento de glória, só faltava agora ela tirar a toalha para eu entrar no céu!
Ajeitei a areia, estiquei a minha toalha e, sabendo que todo mundo olhava, abri espaço para a deusa tirar a toalha e o sapatinho!
Putz! Que mulherão que ela era! O povo ao redor ficou em silêncio e eu, calado, comecei a curtir aquele momento! Que biquininho! Que peitinhos, que cinturinha, que bundinha, que coxinhas, que pezinhos!
Epa! Epa!
Que pezinho o quê?
Ela tinha uma unha no dedão do pé esquerdo que parecia um olhinho de batata, que coisa horrorosa! Não conseguia tirar meus olhos daquilo! Que troço horrível, e a coisa me puxava! E eu olhava e ela falava e o dedão me olhava e ela me olhava e o dedão se mexia! Ele se mexia! Tá certo que dedões se mexem, mas aquilo! Aquilo não era um dedão era uma Laranja da Bahia! A unhazinha nanica do dedão ainda por cima tava pintada! Era laranja! Era o umbigo da laranja era o olho do pé!
E a moça falava, falava, sei lá o que ela falava mas falava e eu não ouvia só tinha olhos e ouvidos para o dedão! O dedão e sua unha!
A turma foi chegando perto feito urubu em carniça. Era o Jacaré que falava e o Baleia que completava e ela, até simpática, respondia. E eu ali! Olhando pro dedão, a imagem entrando dentro de mim o dedão!
Foi quando eu tomei a mais certa decisão da vida:
Falei: taí, deu sede, vou comprar um mate!
E fui embora sem olhar para trás!
Nunca mais vi a moça, a pedra de altar e seu dedão!
Não conseguiria viver no mesmo espaço-tempo que aquela unhazinha pintada, e nem com o dedão!
E foi assim que descobri este sem vergonha que mora dentro de mim, este pedólatra, que, para conhecer uma mulher por inteiro tem que ver e gostar do pé!
Senão, mermão, não dá pé mermo!