Como foi bom falar com você… e melhor ainda te ouvir me chamar para um passeio. Um passeio que só você poderia sugerir. E inigualável foi ver teu sorriso, carinhoso e amigo. Seu abraço que ferveu de alegria até os mais esquecidos cantos do meu espírito.
Eu não escutava o som do carro, nem do transito, nem de nada, só de uma música, suave, que parecia nos embalar para o momento único, onde revelaríamos a angústia em nossos corações. Ao menos no meu. Era o Adagieto da 5a sinfonia de Mahler. Você conduzia o automóvel no ritmo da música, que apenas eu escutava. As formas do seu corpo, perfeitas e fatais, se confundiam com o afeto que você me transmitia. O seu cabelo, avermelhado, longo, solto por cima de uma pele morena, uma pele cremosa, quente, que eu sequer ousava tocar, me hipnotizavam calmamente. Você era linda demais para estar ali apenas como minha amiga, como alguém pronto a ouvir todas as minhas infelicidades.
E lá estávamos, caminhando agora, de mãos dadas, como um casal feliz, numa tarde de domingo, como se nada mais necessitasse acontecer para que desfrutássemos de plena paz. Eu já não mais saberia o que dizer, nem mais teria a vontade de chorar, a vontade de que tanto lhe falei. E talvez você quisesse me ver chorar, para então enxugar minhas lágrimas. Mas caminhávamos então com a brisa oceânica em nossos corpos, com o mar batendo nas pedras e nos saudando. E no caminho, conversávamos sobre coisas simples, falávamos das demais pessoas que ali estavam, sendo felizes numa tarde de domingo. Falávamos de nossos amigos, de nossos empregos, de nossos futuros… mas era um faz de conta, e podíamos até estar falando do nosso futuro.
Agora estávamos sentados num banco, vislumbrando o oceano. Você me perguntava se toda a dor já havia passado. E eu respondia que quase toda, e que eu já estava bem. Mas tinha medo do futuro. E como você tinha confiança em mim!… Eu deitei no seu colo, e você acariciava meus cabelos; como isso era bom! Fechar os olhos, e ouvir o mar batendo, as suas mãos deslizando carinhosamente sobre minha cabeça. Eu queria nunca mais sair dali, do seu ventre… eu estava em paz. E então eu comecei a lhe contar sobre ela. E você me recriminou, com curtas palavras. Como seu eu não tivesse o direito de sentir algo por ela, como se aquilo fosse uma aberração, ou talvez uma brincadeira de minha parte, um incontrolável desejo proibido. Mas então você passou a me escutar, apenas…
E prossegui descrevendo o como fui capaz de me apaixonar. Nem mesmo eu consegui me explicar, pois era inadmissível. Eu havia me apaixonado pela beleza natural, em plena juventude, em plena liberdade de sentidos. Era uma paixão pela beleza, e não por alguém belo. E o objeto de minha paixão enlouquecida reunia a beleza mais pura, mais simples, porém única. E eu me recriminava em cada pensamento, em cada desejo, como um pai que se condena por apreciar a formosura de sua filha, na aurora da maturidade. Mas parecia impossível eu encontrar ali minha musa, fonte de alimento intelectual. Mas sua voz não saía da minha cabeça, o gargalhar infantil, a alegria, a independência e a simplicidade de viver. Inexplicavelmente eu me apaixonei pela beleza, por aquilo que resumia em si o conceito de beleza natural.
Você me escutava atentamente, e não ousava dizer nada. E continuava me acariciando. E passei a descrever como eram os braços ingênuos me envolvendo, e me trazendo em direção a um corpo voluptuoso, recém esculpido por um mestre. Justamente quando eu me sentia mais culpado. E aqueles lábios, quando tocavam os meus, eram sensuais, mas cautelosos; pareciam manter um limite, que me deixava louco. Aqueles olhos então me feriam terrivelmente, mas lembravam uma criança que sabe exatamente como pedir, e como obter, certamente. E eu em hipótese nenhuma seria capaz de negar o que fosse. Eram olhos que brilhavam cada vez mais, como a indicar uma vontade de viver que crescia naquela nova mulher.
E antes que eu me prolongasse, você me interrompeu bruscamente, como quem tem algo definitivo a dizer. E me alertou para o provável colapso de meu coração, num futuro próximo. Para uma possível perda dos sentidos, de forma que eu não mais conseguisse admirar um outro tipo de belo, por ter conhecido o Belo em si. Você sempre soube ser prática, e se utilizar das palavras certas, e assim o fez. Mas meu coração já estava partido, o objeto de meu desejo já havia se diluído no meu tempo. E pela primeira vez na vida eu sabia lidar com essa sensação. Talvez por achar estar errado, talvez por me sentir liberto da tentação. Aquele pesadelo de Nabokov já não mais iria me perseguir, e eu estaria livre. Mas estava triste, ainda assim, sozinho comigo mesmo, e sem saber o que fazer com a beleza que tive o prazer de contemplar, tocar, acariciar e amar, loucamente. Eu era o homem que esteve em contato com a beleza na sua forma original.
Agora estávamos indo embora, novamente de mãos dadas, novamente falando de assuntos simples da vida. Foi quando tentei te beijar, mas a sua sabedoria e seu carinho por mim não o permitiram. E assim foi melhor, pois me deixou, e me deixa, a cada dia, com uma saudade tremenda de seus braços e do seu sorriso, e não de seus lábios lascivos, cheios de desejo. Como eu te amo, do fundo do meu coração, e me sinto feliz por tê-la como amiga.
Mas nem preciso te contar com todos esses detalhes, que só a mim interessam. Você sabe como foi aquele dia, e o quanto foi importante para mim. No carro, voltando para casa, agora sim eu ouvia o motor, o trânsito, a