Ei, Tem Alguém Aí?

Quando eu o vi acenando em meio à multidão, fiquei em dúvida se era mesmo para mim. Ele, naquele momento, significava o superlativo e eu sempre sinto certa insegurança em relação às coisas que ultrapassam o ritmo da normalidade. O primeiro pensamento que me ocorreu foi o de fugir. Mas ele fugiu primeiro. Fugiu do lugar comum e veio ao meu encontro.
Como explicar um encontro com alguém em meio a milhares de outros “alguéns”? O fato foi que ele me encontrou. Ou, eu o encontrei. Que diferença faz? Quando questionei essas bobagens ele foi logo dizendo: “Imagine que somos dois astronautas solitários que após meia eternidade de procura, pelo espaço sideral, se esbarram num planeta qualquer.” Engraçado ouvir isso, foi uma forma estranha de me sentir única. Fui acreditando e, aos poucos, já não via mais ninguém. Onde estava todo mundo?
Bem, ele estava ali e eu… também. A reticência? Sim havia essa reticência entre nós. Eu ainda não era capaz de compreender o mecanismo da sua alma. Acho que ele entendeu. Entendeu esse meu jeito arredio de ser. Entendeu os meus porquês, as minhas fugas, essa minha mania pela estabilidade, pela segurança… ele entendeu as minhas caretices, aceitou-as passivamente e na primeira oportunidade de nos olharmos longamente, me disse que o nosso encontro não era por acaso. E que nada é por acaso. Sorri com ternura, também acreditava assim. E, ele ainda acrescentou, com todas as letras, que nenhuma pessoa é comum, todas são especiais.
Aí, tive a sensação de estar sendo desmontada. Ora, quantas vezes já havia considerado determinadas pessoas comuns. E ele ainda se deu ao trabalho de acrescentar: “Esse é o tipo de coisa que a gente diz quando não quer se dar ao trabalho de conhecer alguém.” Envergonhada, não quis dizer nada a ele. Também não quis revelar minhas impotências, não quis falar que estava com a cabeça cheia de problemas e que carregava o peso de um vazio subdividido em faltas. E que, isso não era nenhum problema matemático. Ainda bem, porque ele também não era nenhum matemático. Era filósofo. E se fôssemos fragmentar sua filosofia, meus vazios não comportariam nem O Mundo de Sofia. Mas agora ele estava me perguntando se havia alguém aqui dentro. E eu, tentando encontrar uma resposta à altura. “A resposta é sempre o trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar o caminho para frente.”
Recusei-me a acreditar. Logo eu que lia manuais, estudava cartilhas, decorava nome de árvores, espécie, qualidades… como investimento nas respostas e descubro a essa altura da vida que o segredo está nas perguntas?! “Nada no mundo é comum.
Tudo o que existe faz parte de uma grande charada. Eu, você também. Nós somos a charada que ninguém consegue solucionar.” Fiquei calada por alguns instantes. Ele percebeu que eu não consegui entender a idéia completamente. Meu pensamento está acostumado às extensões e o dele à profundidades. Ele consegue se embrenhar pelos labirintos da mente e de todos os outros sentidos, além dos cincos. Eu, necessito de certo esforço de inteligência para sair do superficial. Mas, eu sabia decifrar os pontos cardeais e convidei-o para observar estrelas. Sentamos na sacada e de repente lhe disse que eu poderia estar sonhando. Ele estendeu um olhar de cumplicidade e disse que sabia o tempo todo que era um sonho. Não satisfeita perguntei: qual de nós está sonhando? Ele deu de ombros. “Não faz diferença! O mais importante é que nós nos encontramos.” Uma tristeza fina me dominou. “Quando nós viajamos para longe, vamos para fora. E quando sonhamos, viajamos para dentro.”
Saí da sacada, fechei o livro “Ei, tem alguém ai?” e concluí, nostalgicamente, que não sou a única a sonhar com as palavras de Jostein Gaarder.