Na falta de brinquedos, descobri que assobiar era um passatempo perfeito. Não precisava conversar com ninguém, e todos me admiravam pelas escalas que meus lábios emitiam, num sopro delicado. Valsas, eu reservava para as noites enluaradas; dobrados exigiam solenidades, datas cívicas, tendo ao fundo o rufar dos tambores ou o acompanhamento de cornetas. Durante certo tempo, dublei um realejo que se quebrou. Acompanhava o velho e assobiava a valsinha dolente, capaz de seduzir os meninos e despertar moças curiosas sobre o futuro. Minha sorte foi lida várias vezes de graça. (Era uma forma do velhinho me pagar o serviço). O destino me reservava lances maravilhosos, riquezas sem conta. Até cheguei a acreditar nas voltas caprichosas que minha vida daria. 30 anos depois, que posso dizer? Casei-me com Dolores, minha primeira namorada. Às vezes ela me pede pra assobiar a valsinha do realejo e me fala que me conheceu de calças curtas, acompanhando o homem do realejo, numa esquina empoeirada. Disse que se encantou com o assobio e com os meus olhos esverdeados. Comovido, o que eu posso fazer?
Assobio, que é uma forma de amar também Dolores. Ela merece um concerto de flautas.