Procuro um leitor que tenha humildade para de ler os meus versos. Os versos de uma poeta desconhecida que escreve com um nó na garganta. Escrever é maneira de dizer. Acho que alinho frases, contorço palavras e arrisco uma literatura próxima do desenho. Desenho impressionista, eu diria, observando minha própria e solitária arte que nasce das frestas das janelas, de um raio de sol tímido ou das sombras… das muitas sombras que povoam a minha alma.
Tudo o que eu quero é um leitor. E nem peço muito. Quero um olhar de gente que ama, trabalha, chora, sente raiva, sente pena, sente ciúmes… de gente humana com todos os seus defeitos. De gente que ao ler os meus versos, aprove ou desaprove. Ou que até os julgue ordinários, caóticos… Que importa? Preciso de alguém, além de mim, para não me sentir tão só entre essas quatro paredes a esperar o amadurecimento que não vem.
Procuro um leitor. Não precisa entender a concepção poética, os processos da criação… nem adivinhar o esforço que faço para parir as palavras.
Não precisa saber das minhas noites de insônia, da inspiração que me falta, da frustração em abandonar uma idéia, em escrevê-la dezenas de vezes sem nenhum sucesso … Mas que se disponha a ouvir o meu silêncio e o silêncio que está além, numa parte de mim que insiste em poetar na escuridão e atravessa a noite debruçada em cima de um livro, sentindo cheiro do pó de um outro século.
Se não for pedir muito, gostaria que esse leitor fosse sensível ao meu cansaço, à lentidão dos meus dedos e perdoasse a caneta já deitada sobre os versos sem desfecho que, na calada da noite, me olham com a fragilidade de quem vai ser degolado…. e eu possuída por um instinto selvagem, destruo-os, porque não posso atender todas as vozes que clamam por existir e depois silenciam sem que eu tenha a chance de concluí-los.
Procuro um leitor com quem eu possa dividir esses segredos e revelar todos os meus anseios. Essa multidão de fantasmas que povoa a minha alcova e me assusta porque há sempre um pouco de devaneio em tudo o que se distingue. Há uma visão quimérica cheia de artimanhas ascendendo uma luz fosca no meio da noite ou fazendo uma sombra enigmática no meio do dia. Por isso quero um olhar de destinatário brilhando em meio à paisagem que inventei, um sorriso maroto de quem já entendeu tudo, enfim, essa coisa serena que brota da sabedoria de quem lê e que, talvez, o faça mover levemente a cabeça, como a dizer: “perdôo todos os teus erros! Vá, prossiga, cumpra teu intento, termina a tua obra, vença o cansaço, rompa as alvoradas, atravessa a barreira do limite… Não há preventivos para uma dor desconhecida!”
Entretanto, continuo desenhando, solitariamente, as linhas irregulares do meu pensamento e ouço, quieta, tudo o que ele me diz. Tento ter uma paciência, quase generosa, comigo mesma para esperar e para aprender a conquistar um leitor. Tento a face oculta das palavras, seus ritmos, seus significados…. tento um novo discurso, uma nova idéia sobre mim – uma paixão que seja – uma intuição…. sei lá, a gente tem tanta sabedoria na intuição! E nela mora a audácia da transgressão, a ilegalidade literária que ultrapassa o tratado das letras… mas, tudo parece tão inútil nessa conquista!
Existe um oceano entre nós. E todo homem é uma ilha. Lugar de difícil acesso, complemento. Onde os caminhos são abertos através das fendas do próprio coração. Essa é a violenta ternura de quem escreve com a idéia fixa de conquistar um leitor.