Às vezes, quando menos esperamos, uma doida tempestade explode de repente dentro do nosso peito: não há como conter? Nossos horizontes internos ficam carregados de nuvens, e palavras-relâmpagos saltam sem que queiramos da nossa boca. Raios, trovões, coriscos-ariscos, o coração batendo tanto, a boca seca e o desejo de que tudo, tudo acabe no grande mar das nossas mágoas.
No entanto, as mais doidas tempestades não são essas… são as outras, as que silenciosamente amealhamos em nossos peitos, cérebros. Colhidas no dia após dia, no “eu não me importo com nada, já passou”, produzem suas flores de fúria, seus contornos dilacerantes, seus espinhos parados na garganta. Arquitetadas, guardadas, silenciosas, elas tecem e retecem palavras, não perdoam, balançam-se na rede do esperar, rangem portas, fazem o velocímetro do carro marcar 160. Estão lá, dentro de nós, como se esperando o momento. E vão crescendo em seu rio de mal entendidos, em seu vulcão de lavas, em suas chuvas de cinzas, em seus copos de bordas cortantes, trincadas, onde o lábio que pousa sangra dissimuladamente.
Essas, são as piores tempestades humanas, certamente.
Tais tempestades guardadas em nós são o perigo. Tecidas no silêncio da mágoa, crescem como pão e seu fermento, transbordam suas labaredas ruivas. Quando tentamos domar a fúria de uma delas (às vezes são muitas…) perdemos os sentimentos e ficamos cegos: nada mais nos importa, a não ser cultivá-las em vasos trágicos, plantá-las em jardins infernais, reencontrá-las a cada manhã com seu gosto acre de pânico, azedume de nojo, textura de espinhos.
Quando explodimos, as tempestades ainda são rasas, por mais que doam.
Mas quando amealhamos em silêncio o negrume dos ventos e a fúria dos venenos, ah, há sempre um gosto amargo de bílis em nossa boca…
E, então, quando menos esperamos, as barragens se rompem: silenciosas, destruidoras; ancoradas no silêncio, impassíveis, mortalmente quietas, elas têm o dom de fazer desaparecer castelos, luas, montanhas, Saturno e seus anéis.
Para dispará-las, basta um quase-nada e uma nuvem de sangue nos cobre os olhos, nos mostra a faca, nos coloca o dedo no gatilho. Mas nenhum som se faz. Talvez como o Dilúvio bíblico, todas as coisas submerjam para nunca, nunca mais. Em mais completo silêncio, atroz como o pior de todos os silêncios.
E nossa Arca, ao baixarem as águas, permanece sobre o Ararat de nossas vidas, sem que queiramos jamais olhar para baixo e nem recomeçar.