Hoje me deu uma enorme vontade de percorrer os rincões da minha alma. De perguntar por mim, de saber de mim… em quais mares estariam navegando os meus sonhos? Quais promessas estariam hibernando na pauta da minha ilusão?
Hoje me deu uma imensa vontade de me entregar para mim mesma, assim sem reservas… mas será que tenho essa confiança em mim? Olho no espelho e vejo que estou trancafiada por dentro, presa por alguma condição cruel que recuso a descobrir. No fundo faço concorrência comigo e me falo numa língua desconhecida já com o propósito de não me entender. É tão difícil esses encontros comigo mesma! É uma guerra invisível onde eu sempre perco. Covardia? Provavelmente. Entretanto, não tenho coragem de assumir, publicamente, que sou covarde. Digo que é o destino, que ele já estava traçado e disso não se pode fugir.
Verdade é, tenho medo do superlativo. Quando tudo começa a ficar muito bom eu desconfio, acho que não é pra mim, que não mereço, que vou sofrer depois… e dou um passo para trás. O problema é pensar demais. E quando penso estrago tudo. No entanto, a outra parte de mim diz: quando penso, salvo tudo. Que incongruência! O nosso coração é enganoso. Não é a bíblia que diz isso?
Ganhando ou perdendo sigo a pensar. Nem vou pensar muito agora, para não desistir dessa crônica ou para não pensar uma coisa nova demais, algo que eu não saiba manipular. Porque no fundo somos todos manipuladores. Aprisionamos as formas livres com o nosso ponto de vista limitado e fazemos disso verdade absoluta. Pior é que levamos outras pessoas a acreditarem, também, nas nossas teses. Aí vem aquela sensação fininha de culpa: será que estou me traindo? Ah, escrever é tão perigoso! Tenho medo das palavras novas. Tenho medo das palavras carregadas de significados. Queria escrever de forma desnuda. Queria estar vazia de mim mesma e de todo o conhecimento que suponho ter. Queria aprender a me livrar deles. Mas a escrita ensina o contrário. É preciso ler, viajar, conhecer, acumular… Elementos, esses, essenciais para um escritor. Provavelmente essa teoria é a mais coerente. Escrever partindo do ponto mais profundo, seria escrever com o próprio sangue.
Eita! Que papo mais grave é esse? Queria percorrer as cavernas de dentro de mim, mas não queria ir tão longe. Apenas queria conhecer as manifestações do coração. O tempo passa tão depressa e vai engolindo tudo, os amores, as dores, as sensações…. o tempo ordena e continua. Então fica esse silêncio, esses frios hostis, essa sensação de perda. E por mais que tentamos nos agarrar com unhas e dentes ao que pensamos ter e ao que pensamos sentir, tudo o que não foi alimentado se vai e a gente, às vezes, nem se dá conta. Aí me lembro de uma frase de Pablo Neruda: “…o miserável ser humano defendendo seu miserável tesouro”.
Talvez por isso eu quis abrir as cortinas dos meus aposentos mais íntimos, quis tocar o dedo na poeira e saber de que vento se estabeleceram essas substâncias? que tristeza me fez usar aquele luto triste traje – dependurado atrás da porta? E aquelas lágrimas secas, de que pesar brotaram?
Descobri que dentro de mim há uma estátua esculpida pelo esquecimento. Percebe-se nela o gasto sentimento que foi deixado para trás, o uso e desuso dos desejos, as pegadas dos pés, o toque dos dedos… as coisas do interno e do externo. Uma estátua com manchas, rugas, marcas de dentes… roída em alguma parte pelas lágrimas e suores e em outra parte, uma superfície suave de quem foi tocada pelo recurso do tato ou por um ato de arrebatado amor. Há uma estátua dentro de mim, um corpo morto , por onde corre o doce e vivíssimo rio da lembrança.