Dia desses, rodando pelos canais da tevê, acabei parando num filme americano, desses de aventura. Estava já no meio, mas o que vi me despertou um certo interesse. A história girava em torno do seqüestro do Air Force One, o avião que transporta o presidente dos Estados Unidos e sua comitiva.
Sei lá como, o avião havia sido seqüestrado por terroristas, se não me engano, do Cazaquistão, ou de um desses fundões onde há guerrilhas constantes. Uma turminha da pesada, que exigia a incondicional libertação de um certo líder lá deles. Este, prisioneiro dos russos. Os americanos entram na história por causa das célebres ajudas militares que dão aos regimes chamados democráticos, para auxiliá-los no combate às suas encrencas domésticas.
A coisa vai andando feia dentro do avião. Mr. President, sua família e todos os seus puxa-sacos, estão em poder dos bad guys. O chefe dos terroristas, sujeito brabíssimo, um desses doidos ideológicos, dá porradas sem conta em Mr. President; cospe na cara dele, esbraveja exigindo raivosamente a imediata liberdade do seu líder.
Mr. President resiste estoicamente ao suplício. Mas, às tantas, mediante a ameaça de matarem sua filha, sem saída, cede. E, chateadíssimo por ter de pedir penico aos russos, liga para o Kremlin e solicita encarecidamente que libertem o tal general. Providências em marcha. Os terroristas exultam com o sucesso da empreitada, vibram por humilhar o homem mais poderoso do mundo. Mas não sabem o que os espera.
Ocorre que, em dado momento, como sempre, Mr. President, aproveitando-se de uma bobeada da bandidada, vira o jogo: consegue escapar cortando as amarras do pulso com um caco de copo, toma a arma do bandidão, enche-o de bordoadas, e liberta todo mundo. Não sem uma violenta troca de tiros dentro do avião, na qual, obviamente, todos os bandidos tombam diante da pontaria infalível de Mr. President. Bang! bang! bang! cada tiro, um tombo; que o homem não é brincadeira, é um ás do gatilho, e suas balas nunca que acabam. Os bandidos, coitados, disparam a esmo e mal conseguem acertar um auxiliar do quinto escalão, um desses minhocas sub-chefes-de-vice-treco assistentes de alguma coisa. Um dos terroristas, no entanto, o chefão dos seqüestradores, dá mais trabalho: luta com Mr. President num corpo-a-corpo mortal. Mas Mr. President, com seu extraordinário preparo físico, consegue dominá-lo; estrangula-o e o atira porta afora do avião, como um saco de batatas. Fim do bandidão.
Não é para menos, Mr. President não é outro senão Harrison Ford, mais conhecido popularmente como Indiana Jones; já foi Dr. Kimble, o fugitivo; já lutou contra o IRA – e ganhou. Além de ser um conhecido e festejado paladino ecológico. O cara é foda! Fiquei até com certa pena dos terroristas. Soubessem de quem se tratava, nem em sonho haveriam se metido com ele.
Depois, ainda teve mais, o avião ficou sem piloto. E agora? Todos fodidos? Fuck de verde e amarelo? Não, senhor. Adivinha quem vai para a cabine? Ele mesmo, Mr. President, que pilotou teco-teco na segunda guerra mundial. O que é um Boeing de última geração para quem já fez isso? Moleza! E, em cinco minutos, se tanto, com a ajuda de terra – curioso, tem sempre um daqueles especialistas de plantão na torre de controle – o homem pilota o gigantesco avião sem a menor dificuldade, como se fosse uma reles bicicleta. Até faz umas manobras arriscadas, dessas que só a Esquadrilha da Fumaça consegue nos seus melhores dias.
Porém, seus percalços não terminam aí. Uma esquadrilha de migs (só faltavam os migs!) inimigos ataca o avião presidencial. Mísseis cruzam os ares e danificam seriamente o emblemático Air Force One. Isso, segundos antes de os migs serem pulverizados um a um, como moscas, com enorme facilidade, pelos F15 dos mocinhos, que chegam na hora exata para salvar nosso herói. Antigamente era a cavalaria. O avião presidencial, entretanto, não tem mais condições de pouso, os controles do leme foram irremediavelmente atingidos. É uma questão de tempo para o aparelho se espatifar no chão. Momentos de muita expectativa e grande emoção. Quase choro, comovido com a situação desesperadora em que se encontram Mr. President, família e auxiliares.
Então, entra em ação o resgate aéreo. Ô gente eficiente! Coisa mesmo de cinema: os aviões se emparelham no ar e, por meio de cabos e roldanas, os sobreviventes são transferidos, em pleno vôo, de uma aeronave para outra, a mais de cinco mil metros de altura, com vento de furacão e frio cortante. Antes, uma parte dos passageiros havia saltado de pára-quedas. Sem nenhum problema, apesar da velocidade do Boeing (a mínima é cerca de 400 km/h) e da altitude em que estavam. Gente que jamais ousou pular sequer do degrau da escada da cozinha da sua própria casa, saltou como se fosse recordista do Guiness! Os pára-quedas, no entanto, eram insuficientes para tanta gente, que comitiva presidencial, lá como aqui, é sempre muito numerosa. Ele, como compete a um bom presidente, não quis pular na frente, e, num gesto de grande nobreza, ficou para o fim. Resta agora somente a única saída: a arriscadíssima operação de resgate.
Mas, quem veio até aqui, já sabe muito bem que tudo dá certo no fim. Mr. Presidente mal despenteia os cabelos, são e salvo, família idem.
Créditos finais, hino americano e bandeira ao vento, tremulando… The end.
Me lembrei de Independence Day, outro filme em que Mr. President enfrenta no braço invasores de outro planeta, uns ETs com mais jeito de crustáceos. E, lógico, coadjuvado por um alegre e inconseqüente cantor de rap (Will Smith, que no filme é piloto de caça), sai vitorioso. Dessa vez não liberta só os EUA, liberta o mundo, talvez a própria galáxia!
Fiquei pensando em como os americanos são uns caras-de-pau de intrujar tamanha besteirada no povo. E tem gente que paga para ver isso! Eles adoram seus heróis, querem tê-los, inventam heróis, fabricam heróis. E Mr. President, seja quem for, sempre é um deles. Já vi inúmeros filmes sobre o tema. Isso se não levarmos em conta os Rambos que, nas telas, ganham as guerras sozinhos. Os super-heróis são mesmo imbatíveis, principalmente os americanos.
O único em que Mr. President se fode, é num em que a realidade foi transformada em filme: aquele sobre o escândalo Watergate. Nixon, que na ocasião era o Mr. President, neste, se lascou de azul, branco e vermelho, com todas as estrelinhas.
O fato é que a dura realidade é bem diferente dos filmes. Nela nem os tiros soam da mesma maneira. Nas telas, em dolby-surround, o tiro tem um som cheio, majestoso, as balas sibilam; e só os bandidos morrem. Na vida prática é só um estouro seco e mortal, sem fumaça, sem labareda, e sem graça nenhuma. E as guerras perdidas não se transformam em vitórias, por mais que assim queiram os americanos.
Fico imaginando por que nós brasileiros não temos essa mania. Quem sabe melhoraríamos nosso grau de auto-estima. Tirante o futebol, no qual nos julgamos os maiores, ainda que de vez em quando percamos para Chiles e Paraguais, de resto somos até bem humildes. Deve ser coisa de terceiro mundo, essa síndrome de não se valorizar, mesmo que seja no cinema, de mentirinha.
O único herói nacional que tivemos, conquanto fosse uma cópia grotesca criada por Edmundo Rodrigues, e só existisse em novela de rádio e nos quadrinhos, foi o extinto Jerônimo. Era um caubói caipira – um jacu de chapéu e botas, à sombra de Rocky Lane, Roy Rogers and others – que tinha como auxiliar um tal de Moleque-Saci, e uma namorada tão jeca quanto ele, a Anita, com a qual nunca se casava (Mr. Walker, o Fantasma-Que-Anda, também era um embromador de primeira. Lembram? Mas, qualquer semelhança é mera coincidência).
Não vejo FHC com cara de herói, nem o imagino de capa azul, com debruns dourados, calções justos, cinto e botas brilhantes, voando velozmente e combatendo sem trégua a corrupção, a sonegação, ou acabando com o narcotráfico. Políticos, em geral, estão mais para comediantes do que para heróis. Se bem que os palhaços somos sempre nós, o povo.
Quem, dizem, poderia vir a ser um bom candidato a herói, é o Serra. Não fosse tão medroso; um ovo de codorna já o espaventa, assim como um grama de kryptonita é suficiente para espantar o Superman. Precisamos de heróis corajosos, intrépidos, valentes, como os dos americanos. E, de preferência, que fossem de verdade.
Quem também exibia certa vocação frustrada para a cinematografia heróica, era o Collor; parecia levar jeito para a coisa, tinha pinta, fanfarrão, gostava de aparecer, pilotava de jet-sky a aviões militares. Mas foi destronado antes que aprendesse a palavra mágica. Ainda bem, porque não passava de um tremendo canastrão.
O único personagem hollywoodiano que vejo, mas seria uma espécie de gênio do mal, com amplos e malignos poderes, é o Toninho Malvadeza – o eterno anti-herói, um Silvana abaianado. Silvana, para quem é inculto em matéria de gibi, esclareço: era o inimigo figadal do Capitão Marvel – um dos super-heróis mais manjados, que na vida real (da história) era um pacato radialista chamado Billy Batson. Este, nas horas de aperto, pronunciava a palavra mágica e BUM! Estrondava um poderoso raio cósmico tranformando-o, em meio à fumaceira, no legendário homem de aço, defensor da justiça, dos fracos e oprimidos.
Entretanto, voltando ao Toninho, quem sabia a palavra era o filho dele. Mas ele morreu. Então não era super-herói coisa nenhuma, pois que super-herói nunca morre. É imortal, ao menos enquanto dura – como diria aquele outro baiano, o poetinha – no máximo, sai de moda, como Capitão Marvel. Qualquer forma, espero que o filho não tenha repassado a mágica palavra ao pai.
Cá entre nós: Shazam!! Aos mais novos: Pelos poderes de Greyskull!!! (era assim?). Ou saravá! para ser mas brasílico…
Em tempo: O general do filme não escapou. Foi morto com uma rajada de submetralhadora à saída da prisão, assim que Mr. President dominou a situação no avião. E não adianta me perguntar o nome do filme, pois só o assisti do meio pro fim. E foi mais do que suficiente!