Do (s) crime (s)? Ninguém sabe, ninguém viu. Restou a medalinha de ouro, a mochila de couro, a mini-saia de brim indigo blue e a cabeleira vasta extendida no chão, enraizada no mato como capim morto por intensas e sucessivas pisadas. E a carteira de identidade, o corpo sujo e roto, a alma penada rondando mistério, as pegadas perdidas no verde e cinza da cidade grande eram de quem: De Selma, de Vânia, de Joana, Isadora ou simplesmente Maria? Os sonhos, com certeza, os mesmos. A vida, de verdade, outra.
A moto parou perto, em vôo rasante, e ela nem sequer olhou. Diziam que era bonita e que isso bastava – a beleza se fazia evidência aos olhos, nem sempre tão abertos, mas plenos de muita luz. O sucesso era coisa que ia acontecer um dia, não importava como, nem com que ou quem. Podia vir pela mão do príncipe, do malfadado amante ou do benfeitor. Não tinha cara de quem resistisse a tanto – um out-door aqui, outro ali, uma takede biquine ou jeans, de preferência, incluindo nudez, despojamento ou coisa que o valha.
Era mestiça – mulata, morena, parda, garota nacional, lourinha bombril. Torceu pela seleção canarinho à beira do Ibirapuera e, então, tudo já era. Camiseta da moda, brinco de personagem de novela na orelha direita. Na esquerda, um piercing qualquer. Levava jeito. Bem que podia ter sido eleita a morena do tchan. No Domingão do Faustão tinha gente muito mais feia do que ela. Olhar no espelho inútil e indevassável, sozinha em eternos solilóquios, trazia inexoráveis dúvidas, questões indefinidas e infindas, que só encontravam resposta em suave e fria mudez.
Quando ele parou na avenida e sussurrou ao pé do ouvido doces elogios, a promessa já estava traçada – a carreira fulminante, as fotos nos jornais, a casa com piscina e tudo. Bem que a vizinha avisou do sumiço das moças e ela achou graça. (De gente invejosa, estava cheia!) Foram duas, foram cinco, foram sete, foram nove, foram tantas que a gente se perde nas contas e há quem nem sequer se dê conta, enquanto revisita sua vida – o dorso nu, calcinhas e sutiãs à vista, enquadrada pelas telas da TV.
A morena de cabelo comprido encaracolado enroscou-se no sonho.Não mais fará fotos nua pra nenhuma revista. Não mais remexerá as cadeiras, revirando os olhos esverdeados, fazendo pose para uma foto qualquer. Ela ficará ali destroçada em sua eterna juventude, despenteada pelo mesmo vento que sacolejou a sua vida. Do rosto desfigurado não se saberá além das ilusões perdidas na boca do lobo.