Há vinte e nove anos atrás, como diria o saudoso colunista carioca Stanislau Ponte Preta: meninos eu vi! Sim vi e me lembro, era feliz e sabia. Tudo começou numa tarde quente de junho. Aqui no Brasil era hora do almoço, estávamos em volta da mesa, parentes e amigos, degustando uma macarronada com a televisão ligada ao fundo da sala. O time do Brasil perdia de 1 x 0 para a Tchecolosváquia, era a Copa do Mundo no México. Falta na intermediária esquerda a favor do nosso time, o escrete canarinho. Rivelino o “garotinho do parque” (referência ao Parque São Jorge), o “patada atômica”, vai lá, corre em direção da bola e dispara um canhão……..goollllllll !!! Rivelino sai correndo para a beira do gramado, gesticulando nervosamente os braços, gritando; Pelé, Jairzinho, Tostão, Gerson e companhia pulam por cima dele………foi assim. Juro que neste mesmo momento um prato de macarronada passou voando por cima da minha cabeça. É, a torcida era intensa. E que festa!! Aquele jogo acabou em 4 x 1 para nós e a cada jogo daquela Copa, era uma nova lenda que se realizava e que assistíamos ao vivo e à cores para todo o Brasil via Embratel.
Era o tempo de Brasil : Ame-o ou Deixe-o … (por favor : o último que sair apague a luz do aeroporto) , era um verde-amarelismo total……..ruas enfeitadas, pessoas na rua cantando : “a copa do mundo é nossa, sei que ela é nossa, sou brasileiro , não há quem possa”, ou ainda : “noventa milhões em ação, prá frente Brasil, salve a seleção……” E tudo isto acontecia ao mesmo tempo num país onde a sociedade mal podia questionar quem seria seu próximo governante, não podia soltar um pio, tinha gente na cadeia presa por motivos políticos, gente sendo torturada e assassinada, e gol, aliás muitos gols. Era época da Transamazônica, da ponte Rio-Niterói, das exportações, de euforia econômica. Mas, eu nos meu onze anos de idade só podia entender de futebol e que Pelé era o melhor, e por nossa sorte, jogava no nosso time.
Vivenciar a conquista do tri em 1970 foi uma das experiências mais marcantes de minha vida. Foi a primeira vez que vi tanta comoção social nas ruas. Gente dançando, multidões festejando, berrando a plenos pulmões, desembestadas atirando-se em fontes, subindo em postes, automóveis, árvores, por um motivo aquele que não era pelo costumeiro carnaval de fevereiro.
É certo que depois vi outras mobilizações grandiosas, porém foram mais pontuais, como as Greves do Metalúrgicos em 78, as passeatas das Diretas-Já em 82, as mortes do Tancredo e do Senna, os Cara-Pintadas, mas nada, podem estar certos disto, nada se compara com a festa, com a sensação que tomou conta da cidade em que eu morava e se alastrou pelo país inteiro quando o Brasil se tornou Tri-campeão na Copa do Mundo de 70 no México.
Não é a toa que até hoje o fato é lembrado. O Brasil, tinha o melhor time de futebol do mundo. E talvez naquele instante, o futebol nos resgatava ao mundo, a civilidade, sim éramos os melhores em tudo, e vivíamos esta ilusão. Vivíamos de forma intensa e nem tivemos tempo de perceber o mundo que assombrava o nosso futuro.
Mal sabíamos que esta paixão nacional nos jogaria em tamanha perplexidade atual. Mas de nada tem culpa o excelente futebol dos craques daquela época, eles tinham mais é que fazer o que sabiam fazer e bem. São inesquecíveis as arrancadas do furacão Jairzinho, o chapéu que deu no goleiro; a majestade de Pelé ao qual o comentarista apenas se referia como Ele… Ele com a bola, lá vem Ele, passa por um, passa por outro. O oportunismo de Tostão, os chutes certeiros de Rivelino, os lançamentos milimétricos de Gerson, a categoria de Clodoaldo, a frieza do Piazza, a vitalidade do capitão Carlos Alberto, a truculência de Brito, a eficiência de Everaldo e a sorte do goleiro Félix. É, a escalação do time que jogava num esquema tático impraticável nos dias de hoje (4-2-4), resiste na minha memória. Foram 90 minutos, de cada vez, em tantos jogos naquele mês contra a Inglaterra, Romênia, Uruguai, Peru e Itália, que me transformaram. Vítima de tal paixão, eu que nem brasileiro sou de nascença, me tornei definitivamente um, pelas mãos, aliás, pelas pernas do futebol.
Hoje as jogadas incríveis estão estampadas no meu ser e as reverencio como um amante do esporte bretão. Mas é de forma solitária que persiste esta emoção, tal sentimento não se traduz nas ruas que percorro, nas cidades que visito, no país que vivo. É um vazio imenso que ocupa o estádio onde o gol está sendo feito, não há torcida, não há mais times, nem empolgação, o que assisto é uma ruína de tudo que sonhamos que podíamos ter sido.