Rodoviária

No banco frio da rodoviária fria, em meio a pensamentos saltitantes, observava com olhos críticos, às vezes distantes, aquelas pessoas humildes, que viajavam, que iam, algumas contentes, outras sonolentas, algumas tristes, outras despertas. Mas todas indo. Ou voltando. De algum lugar. De algum mundo próprio. O meu mundo era aquele ali. Eu não ia para lugar nenhum. Só esperava alguém que vinha do seu. O casal com a criança dormindo. Mudança. Talvez para Minas. Sitiantes. Ela comia um salgado de modo peculiar. Passava um pedaço para ele. Balançavam a cabeça, sinal de aprovação. Bom mesmo. Caixas, malas velhas, trouxas. E uma almofada para deitar o bebê. Pesado no colo. Os sapatos dele sujos de terra. Trabalhador. Pai de família. Responsável. Mas no Paraná não dava mais não. Minas era melhor. O café por ser colhido. A grande vontade de enriquecer. Ou de viver em paz. Os cabelos lisos dela presos num rabo de cavalo. Gente simples. A sandália de plástico. A fralda do bebê no pescoço. A chupeta amarrada na ponta. É um bebê bem calmo. Dorme sem reclamar. A mamadeira. O marido está cansado. A mulher sugere que deite em seu colo. Talvez ele é que tenha pedido. Ela olha para os lados. Meio envergonhada. O marido descalça os sapatos. Alívio. E se deita, desconfortável. Mas aconchegado. Vivem bem. O carinho é constante. Ela também descalça a sandália. As meias saltam. Frio. O bebê bem agasalhado. É uma menina. Toda de rosa. Penso, comigo mesma, no porquê da distinção azul e rosa. Do outro lado, vejo a mocinha, não mais que dezoito anos, com cara de desânimo. Sono. Mas o coração deve estar pulsando. Logo o namorado chega. Bonitinha. Alta. Deve ser estudante. A gordona horrorosa, que não sabe escolher o que veste. Vestido branco, decotado, com aquele frio. A banha à mostra, o corpo marcado. Os seios grandes caídos, amassados. Tem gente que não se toca. Olha outra ali, que não tem coerência. A calça está tão apertada, tão apertada, que não consegue nem sentar direito. O homem com a pasta no colo. Tem cara de vendedor. De seguros. Ou de filtros d¹água. Cansado que só. Os olhos quase não o obedecem mais. Podia seguir o conselho da Emília, usar palitos de fósforos. Enquanto um olho dorme, o outro vigia. Deve ter família esperando. Um rapaz bonito, bem bonito. Mala na mão. Terno e gravata. Cara de advogado. Algum recurso em Curitiba. Gente bonita. Gente feia. Mistura de vozes. De vidas. Gente chegando. Gente saindo. Antagonismo. Vidas que passam. Boas notícias. Outras, nem tanto. Férias. Trabalho. A faxineira limpando o piso. A nova rodoviária é mais espaçosa. Ainda bem que é fechada. O frio é muito. Aquele ônibus vem de Assunção e vai para Salvador. A gordona desajeitada entra. De olho na mala. O marido também é feio. Barrigudo, a camisa aberta. Com aquele frio. Fala alto. Sem postura. Aversão. Asco. A mocinha já viu o namorado. O beijo comprido. Saudade. Agora é hora de descontar a distância. De mãos dadas, buscam a bagagem. Veio para o fim de semana. Tanta novidade. O sono foi embora. Estão mais vivos do que nunca. Os surdos-mudos que se esforçam para ser compreendidos. A preocupação visível. Podem perder o ônibus. Uma prancheta e um lápis. Meio de comunicação. Irritante olhar a conversa dos dois. E aqueles pequenos sons e movimentos da boca. Nada sai. Ficam nervosos. Consigo próprios. E com todos que não os compreendem. Não faço a mínima idéia para onde vão. Tem de tudo na rodoviária. Vidas simples. Complexas. Para todos os gostos. Os travestis fazem ponto na esquina próxima. Aguardam clientes. Provocantes. Cada dia mais ousados. O bar e seus biscoitos de polvilho pendurados. E os refrigerantes expostos. E os doces de vitrine. E os salgados amanhecidos e anoitecidos. Mas é limpo. Que ali tudo é ainda novo. O bêbado gritando. O pregador pregando “Jesus vai voltar”. O vendedor de bilhetes de loteria. A banca de jornais. Compro uma revista. Para passar o tempo. Que o tempo, quando a gente espera, é demorado demais. A banca de miçangas e bijuterias. A avó compra a medalhinha de São Cristóvão. Lembrança para alguém. Ou para ela mesma. Começo a observar as bagagens. Malas novas para os mais ricos e cuidadosos. As velhas, sem alça e até mofadas, para os mais pobres. Mochilas para os jovens. Trouxas para os miseráveis. Caixas para os comerciantes. Toda a espécie de tudo.