… “vem, olha o trem”… a voz de Raul se perde na minha. E Caetano enxerga a “seda azul do papel que envolve a maçã”. Dois trens que vivem, sobrevivem, enjoam, refazem, passam, regressam, descobrem.
Fico olhando mansamente a linha, esse seguir-ficar-seguir-ficar que parece nunca ter fim. O fim é o recomeço de tudo, feito roda-gigante em parque de diversão.
Quando essa dor bate assim fundo numa quase tarde de domingo, a única vontade é fechar os olhos e sentir a brisa passar.
Mas a brisa se transforma em tempestade e eis que surge o furacão dos tempos. Quiçá eu tivesse uma ampulheta e pudesse contar de grão em grão os grãos de areia.
Nada há. Apenas há a não vontade, o torpor e uma pequena lágrima teimosa que renasce no canto dos olhos. É dia de não viver o que vivi, de não esperar o que esperei, de esquecer o que lembrei…
Raul e Caetano cantam coisas diferentes para o mesmo trem. Quantas e quantas formas de dizer o igual existem, não? O difícil é a gente distinguir a síntese, que de teses e antíteses o inferno está cheio.
Quero a síntese! Quero escalar o pico verde que a estrada de ferro corta pelo meio… um túnel! Quero atravessar o túnel e enxergar a luz. Não é querer demais, é apenas volver a mente para o mundo e para o que nele há.
Deixo os medos na estação, que um dia também cantaram isso, e subo nesse trem já em movimento, a caminho de… a caminho de… a caminho de…
E olho a fumaça, o barulho, o “café com pão, café com pão” que troco por um chá com biscoitos no fim da tarde.
E então vejo o “azul que é pura memória de algum lugar”, salto do “trem da morte” e subo num balão para ver a vida mais de perto.