Então vesti a calça jeans, peguei a mochila e, antes do sol se pôr, parti em direção de casa. E a casa que sempre foi e será minha, me esperava com as portas abertas. E ele com o mesmo sorriso e os mesmos olhos azuis correu a encontrar-me como na primeira vez que caí de bicicleta. E eu nem ousei contar-lhe qual fora o tombo dessa vez. Nem precisou. Ele logo percebeu que eu estava machucada e acalentou em seus braços a eterna criança que sou.
E eu nem soube o que dizer. Então me deixei ser criança outra vez e pedi pra que ele contasse as histórias da minha infância.
E ele me contou dos meus primeiros passos, do meu primeiro aniversário.. do dia que fui comprar leite na venda e perdi o dinheiro no caminho… como eu chorei!
Contou-me do orgulho que teve quando eu aprendi a ler sozinha e de quando eu escrevi pela primeira vez: “Pai, gosto muito de você”.
Contou-me de quando eu pegava os livros e ia ler em cima do abacateiro… das poesias do Manuel Bandeira que eu decorava para recitar aos sábados na rádio.
Ah, contou-me do dia em que eu montei o cachorro veludo e ele acabou me mordendo. Aí ganhei o Brilhoso. Brilhoso era um cavalo dócil que foi meu amigo por muitos anos. Eu era capaz de montá-lo em pêlo, tal a sua doçura. Os animais sempre entenderam a minha linguagem. Pelo menos eles.
Contou-me ainda do dia em que abri a gaiola da vizinha e ela só faltou me bater! E do dia em que a diretora foi em casa pedir que eu chegasse mais tarde na escola, porque pela madrugada a escola estava fechada. Oh, céus, quanto trabalho dei.
Contou-me também do meu jeito moleque de brincar com carrinhos de rolemãs e, como não havia asfalto no sítio, aproveitava a descida do rio. Quantas vezes me ralei naqueles pedregulhos! Mas também contou-me do meu jeito menina ao brincar de bonecas com as espigas de milho… ou do meu jeito filosófico em navegar em barcos de papéis.
Enquanto ele contava essas histórias eu agradeci profundamente a Deus por ainda ter pai e não fico nem um pouco constrangida em dizer que ao som dessas mesmas histórias, eu adormeci.