Num documentário que recentemente assisti na tevê falava-se dos samurais. Gente estranha, guerreiros impiedosos, cortadores de cabeça, mas com uma ética rígida. O requinte da degola chegava ao extremo de se exigir que o golpe fosse tão preciso a ponto de deixar uma nesga de pele que impedisse que a cabeça rolasse pelo chão, e com isso humilhasse a quem assistia ao ato. O samurai perfumava o seu elmo a fim de que, no caso de ser vencido em combate – o que resultaria inevitavelmente na sua decapitação -, o vencedor sentisse um agradável aroma ao sopesar sua cabeça nas mãos vitoriosas.
Dignidade, mesmo após a morte.
O samurai tinha uma visão clara de que a vida era curta, de que o corpo apodreceria e desapareceria com a brevidade habitual, mas o seu nome e a sua honra perdurariam por gerações.
A honra, para o samurai, estava muito acima da vida.
A figura do samurai, ao menos para nós ocidentais, é comumente associada à dos bandoleiros, dos assassinos e dos pistoleiros a soldo de alguém poderoso.
No entanto, não é bem assim a história.
Qualquer um, no início, poderia declarar-se um samurai. Contudo, ser respeitado e tido como tal era resultado do seu desempenho, dos combates vencidos, dos seus feitos. Um samurai jamais lutava com alguém inferior. Antes do combate era exigido de cada um deles que declarasse a sua origem, seus feitos, vitórias, uma espécie de certidão da sua estirpe, antes de aceitar o combate. A honra estava em lutar com alguém que valesse a pena vencer.
Com o tempo, o samurai virou uma espécie de casta e seus descendentes herdavam o seu título.
Era, evidentemente, temido. Treinava a vida inteira suas artes marciais, entre as quais incluía o arranjo de flores, a pintura e a arte de escrever poemas. Há poemas legados pelos samurais que são atualmente clássicos da literatura oriental. Eram homens poderosos, decididos e cultos. Seus poemas eram escritos habitualmente antes dos combates, nos momentos que antecediam o enfrentamento com a morte.
Um samurai era um arsenal ambulante: arcos, flechas, facas, espada, até o seu leque – feito de aço – era uma arma. Sua habilidade no manejo das armas era estupenda, fruto do treinamento constante. Igualmente manejava com destreza o pincel e produzia pinturas e gravuras inigualáveis.
Com o advento das armas de fogo, levadas ao Oriente pelos portugueses no século XVI, alguns samurais a adotaram. Foram, no entanto, execrados os que assim o fizeram. A arma de fogo era a arma dos covardes, pois dispensava o combate limpo e honrado.
A espada, para o samurai, tinha alma e se confundia com a sua própria pessoa de tal forma que quem matava era a espada, o samurai era apenas o meio. Isso, de certa forma, evitava o conflito moral de matar. O samurai dormia com a sua espada, sua espada era a sua alma. As espadas eram produzidas por artesãos especialistas sob a sua supervisão, de aço forjado e batido, redobrado um milhão de vezes. Seu gume era de tal forma afiado que possibilitava o corte de um fio de seda suspenso no ar.
O samurai não confiava em ninguém, nem mesmo na sua esposa posto que os casamentos dos samurais eram um acerto de interesses. Raramente havia amor entre o casal. As mulheres também eram samurais por herança do título ou mesmo por conquistas em combate. O samurai geralmente encontrava o amor entre indivíduos do mesmo sexo. Era normal, aliás uma honra. Não havia entre eles a divisão em gêneros masculino e feminino, a palavra “homossexual” simplesmente não existia entre eles.
O samurai, além das suas virtudes morais e valentia em combate, havia de ser bonito. Sua armadura era colorida e tinha a sua marca pessoal, como a dos clãs escoceses. Seu capacete era o mais enfeitado possível, maquiava-se com esmero, cuidava dos cabelos e pintava a boca, de tal maneira que era difícil identificar o seu sexo. Alguns eram tão belos que jamais se soube com precisão se eram homens ou mulheres. Inevitável que me venha à mente o Diadorim, do Rosa, um samurai no sertão de Minas…
Os samurais, que no início, lá pelo século VIII, eram apenas guerreiros mercenários a serviço do imperador, aos poucos perceberam a sua força e, como conseqüência normal do poder que detinham, se apoderaram dos feudos. Constituíram o seu próprio império deixando o imperador como mera figura decorativa. Apenas no século XVIII, ao que consta, quando as guerras internas foram contidas e o imperador retomou seu poder, os samurais viveram uma longa época de paz e se dedicaram exclusivamente à administração pública como conselheiros e mediadores de disputas, tais eram as suas qualidades morais, o respeito adquirido junto ao povo e o seu reconhecido grau de cultura
No entanto, já no século XX, seus atributos de guerreiros temíveis foram ressuscitados pelos militares, de forma distorcida, na figura dos kamikazes, os pilotos suicidas. Com o término da guerra, na qual foram vencidos, voltaram ao ostracismo, visto que suas virtudes eram vistas como símbolos do erro e da derrota.
Hoje, todavia, o samurai é reconhecido como uma figura de relevância na história oriental, sendo exemplo de retidão, perseverança e dedicação a uma causa. Seu código de honra, o “Bushido” tem sido a base, naquilo que tem de melhor, para o desenvolvimento da cultura e da indústria japonesa.
Um descendente direto de samurais, numa entrevista recente, afirmou: “O homem que procura o desenvolvimento espiritual, que mantém seus princípios, que se dedica ao bem comum, é solidário, ético e sobrevive em meio às maiores dificuldades, é um samurai. O samurai é antes um homem digno, independentemente da sua raça, credo ou do local onde tenha nascido”.