Estou aqui há mais de uma hora pensando no que escrever sobre o Natal, uma daquelas mensagens de amor, fraternidade, união, paz e tudo o mais que enfeitam os cartões que agora vêm até com musiquinha, insuportável, na verdade, mas que quando a gente recebe diz muito obrigado com um sorriso de orelha a orelha, para não desapontar o infeliz que, afinal, ofereceu o cartão de tão bom grado. Não consigo escrever nada sobre o Natal, confesso. Todo ano é assim. Me pedem para escrever sobre o Natal e eu travo, simplesmente.
E corro o risco, como era de se esperar, de repetir o texto do ano passado, que, tenho certeza, nenhum de vocês tem mais. Nem eu. Era um texto por certo meloso, meio corrosivo, que corrosivo eu sou, com alguma insinuação de que o Natal que está aí, este Natal de luzes e vitrinas, não é o Natal que me (nos) interessa. Este é um Natal criado para que as caixas registradoras ganhem mais e mais presentes de Papai Noel.
Aliás, é claro que nenhum pai ou mãe leitor deste texto destruirá a ilusão do filho ou filha quanto ao Papai Noel. Mas, cá entre nós, quanta besteira, não? Um velhinho, por certo muito sábio, porque muito velho, que uma vez por ano percorre o mundo dando presentes idiotas como um patinete, que muita criança vai ganhar e muita mãe vai chorar ao ver o joelho esfolado do filho e muito médico vai rir, com os bolsos cheios. Papai Noel com aquelas roupas polares, nos shoppings, ho, ho, ho, o que é que você quer, meu filho? E depois entregam um papel te dizendo que você tem 20% de desconto na realização do desejo da criança. Mas, como eu disse, quem sou eu, quem somos nós, para desiludirmos uma criança, que sorri tão sinceramente para o tal do Papai Noel?
E as festas de fim de ano, então. Amigo secreto. Tenho certeza que você pegou alguém com quem não simpatiza muito. E quem te pegou te deu um presente que não foi dos mais felizes. E o chefe ficou meio bêbado. Ou pior: você ficou meio bêbado e sentou-se ao lado do chefe e disse a ele umas poucas e boas. É Natal.
Dia 25 provavelmente você se reunirá com a família. Mesmo que seja com aquele cunhado que nem te olhará na cara, graças a Deus. Mas farão todos uma concessão ao espírito natalino e rezarão um pai-nosso, prestando pouca atenção às palavras. Obrigação mesmo. E as velhinhas chorarão. E as crianças brincarão com seus brinquedos novos. Aquele que ganhou uma bicicleta leva de brinde também seu primeiro tombo de bicicleta. E à meia-noite é capaz de o cunhado, aquele, te estender a mão e pedir perdão. E é capaz que você perdoe.
A família está à mesa, farta de tanto comer de madrugada. Um e outro jazem meio bêbados pelo jardim. As crianças começam a brigar porque uma quer brincar com o brinquedo da outra. O cunhado que acabou de te pedir perdão fala mal de você para outro cunhado. As mulheres discutem ou a antropologia da tribo de Vanuatu ou o próximo capítulo da novela, que está muito interessante. Os adolescentes contam proezas sexuais mentirosas. Os velhos estão calados, pensando em quantos Natais ainda terão pela frente, antes que a Indesejada das Gentes os visite. E na manhã seguinte começarão já os preparativos para o Ano Novo.
Nada como a beleza da banalidade cotidiana.
Na verdade este é um jeito assim meio niilista de dizer que quero tudo de bom para vocês e que o ano que vem seja o melhor ano de nossas vidas. Para quem acredita em Jesus, que Jesus o abençoe. Para quem acredita em Alá, que Alá os proteja. Para os judeus, feliz Hanuká. Para os ateus, que não se matem ano que vêm. Para todos os meus amigos, um grande final de ano, se cuidem e não encham muito a cara, que arranjem namoradas inteligentes e bonitas (ou namorados inteligentes e bonitos), que ganhem bem e que, vez ou outra, se lembrem deste cara meio tacanho que atende pelo nome de Paulo