Não Existem Crônicas de Amor

Não existem crônicas de amor. Nem poemas. Romances de amor, sim, existem, mas são quase todos de qualidade nula. Muito me admira aquele homem que se aproxima da mulher amada com uma folha amarfanhada de versos contidos, sem métrica ou ritmo, com rimas que unem sem nenhuma vergonha amor e dor. Quanto ao cronista, este é, sem trocadilho, um caso mais crônico. Porque poesia de má qualidade se escreve em cinco minutos; uma crônica de má qualidade leva pelo menos seis.
O cronista geralmente tem algum conhecimento da língua maior do que o de seus conliteratos, os poetas. E não é discriminação, não, porque eu mesmo já tentei uma que outra poesia de amor, que nem de amor é, como defenderei ainda. Também tem mais fôlego que o poeta, afinal, não é fácil escrever razoavelmente em prosa, este bastião, último, claro, das regras gramaticais. A poesia hoje se faz de símbolos e de palavras soltas, quando. E o que é mais importante: a poesia de hoje proíbe a conjunção.
Como eu dizia, não existem crônicas de amor. Conheço um amigo que escreve sempre a suas namoradas em forma de crônica, longas crônicas que falam desde um sorriso perdido no meio da sala até suas fantasias sexuais mais íntimas. É o modo que ele tem de lhe escrever cartas.
Assim, pensa ele, vai manter viva duas coisas muito importantes na sua vida: a namorada (que ele perdeu recentemente, diga-se de passagem) e a literatura (que também não é das melhores).
Por sinal, também não existem cartas de amor.
O que quero dizer com isso é que o amor, esta abstração de rara compreensão, inexaurível em toda a sua fonte de matéria-prima para as artes, não pode jamais ser reproduzido num estado de consciência minimamente necessário para se escrever qualquer coisa que preste. A frase é velha, o clichê mais do que repetido, mas aqui ele cabe: o amor embriaga; e não conheço ninguém que, embriagado, tenha escrito uma só linha que prestasse.
A isto os curitibanos sempre têm um nome em mente: Paulo Leminski. Minhas opiniões sobre o poeteco das araucárias, no entanto, já foram defendidas em textos anteriores, que não pretendo discutir. Mesmo Vinícius de Moraes, grande poeta e amante etílico, escreveu maus poemas quando bêbado; há uma teoria corrente entre os que o lêem sem a pretensão (ou diria estupidez) acadêmica de que Vinícius escrevia justamente sob (sob!!) este estado alterado em que se encontram as pessoas que se amam.
De resto, o amor não existe em literatura. As crônicas de Rubem Braga que falam de mulheres são, antes, crônicas de sedução. O amor não acontece; está para acontecer. O espaço de tempo entre uma e outra coisa pode ser ínfimo, mas é crucial para se compreender a inexistência do amor na literatura. O texto literário sobre o amor só existe antes e depois. A crônica de sedução é antes.
Outro tipo de crônica tida erroneamente como “de amor” e a do depois, ou seja, a crônica do ressentimento. Hoje este gênero perdeu muito de sua força _ mas não toda _ , e é melhor explicada se se usar como exemplo as músicas sertanejas. Crônicas de ressentimento são ruins como músicas sertanejas, porque falam invariavelmente de uma traição sofrida, de um abandono repentino, de tapas e beijos.
O grande mestre Machado de Assis é um que jamais ousou escrever sobre o amor, pois bem compreendia a impossibilidade disso. Por outro lado, compôs obras-primas de ressentimento e sedução. Dom Casmurro é um romance de ressentimento; Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma mistura entre o ressentimento e a sedução. Nos contos de Machado encontra-se de tudo, menos amor.
O que não quer dizer que quem escreva, e bem, sobre estes períodos anteriores ou posteriores ao amor sejam uns insensíveis. Joaquim Maria Machado de Assis amava Carolina; mas sabia que, para a literatura, este sentimento era uma afronta ao bom-senso.