Ah, eu queria agora uma crônica bem pequenina: duas ou três palavras.
Mas acordei assustada hoje, ouvindo os meus próprios soluços, um resto de sonho dependurado no arco das sobrancelhas. E a crônica, que eu pensei tão fácil, não me veio. Ia contar uma história, acabei esquecendo um pedaço, minha meia puxou um fio, cadê tudo de quanto eu preciso?
Fiquei pensando, então, que era melhor nem escrever, o ano quase no fim- o quê?! – este ano já quase terminando? E eu vejo na tevê as propagandas de um Natal que se aproxima.
Num piscar de olhos será um novo ano, 2001 me espia da janela do tempo, que o Tempo, senhor de todos os ritmos, tambor de todos os ritmos, flui enquanto olho descaradamente o relógio digital que mantenho sobre a mesa de trabalho.
Olho o relógio: segundo atrás de segundo, e eu aqui fazendo nada, talvez fazendo saudade, como a personagem do Rosa. Finjo que nem olho mais o relógio, mas meus olhos me escapam, vão de encontro ao segundos que se registram, ficam olhando pasmos: isso é tudo, meu deus?
Me levanto inquieta, dou voltas pela casa. Mas acabo voltando à escrivaninha, olhando pra este relógio alucinado que pisca segundos e marca horas do dia.
E meu sonho lá, dependurado.
Na verdade, nem sonho é, são apenas pedaços.
Arrumo a mesa onde trabalho, guardo lápis e réguas, canetas de todas as cores ( como se eu precisasse delas… ah, eu que sempre finjo que preciso delas…), amasso papéis, puxo o teclado e começo a digitar. Respondo e-mails, na minha cp empilham-se mensagens, algumas tristes, outras tão engraçadas, soluço e rio, esta vida, esta vida.
Escolho fotos, visito arquivos antigos, termino uma resenha. Envio trabalhos meus pela net. Finjo que trabalho, o relógio espiando tudo, o mundo dá tantas voltas, meu deus!
Escuto música, bebo café, fumo.
Telefono.
Ouço os barulhos da casa silenciosa. Observo os livros nas estantes, alguns nem lidos, que ano esse que sequer deu-me o direito de fazer plenamente o que mais gosto: ler. Passo as mãos sobre as capas dos livros, ah, se eu pudesse leria todos os livros do mundo, me lembro de Santo Agostinho. Quando foi investido da função de bispo, perguntaram a Santo Agostinho qual a oração que ele costumava fazer ao se deitar e levantar. E ele, sem pestanejar, respondeu: “Graças te dou, meu Deus, por ter podido ler todos os livros que me caíram nas mãos e por ter podido entender cada palavra de cada um deles.”
Penso em Santo Agostinho, no tempo e nos livros.
O relógio me espia com seus olhos malucos, piscando segundos. Trago Santo Agostinho para minha mesa de trabalho. Leio trechos. E repito baixinho, para que minha alma me escute: “Graças te dou, meu Deus, por ter podido ler todos os livros que me caíram nas mãos…” E acrescento: por ter podido ler, a despeito dos relógios, todos os livros que fui buscar, tentar compreender. Graças te dou, graças te dou…