Hoje os confetes já não voam e amontoam-se promíscuos pelo meio-fio. Pequenas lâmpadas enroscadas nos postes da praça já não desfilam suas fantasias de supernovas, queimadas após intenso fulgor. O vento riscava seu murmúrio por entre os becos levantando lantejoulas que se escondiam do dia. A marcha sob a regência dos corações havia bombeado pelas artérias da cidade síncopes de dança frenética, onde bacante bêbada e pintada no rosto esbarrava por entre foliões desculpando-se com seu dialeto bárbaro e recomeçando o toque no tambor.
Os cacos verdes de garrafas que libertaram o gênio agora aprisionam a luz vacilante da manhã. Em tudo impregnava o esquecimento numa mistura de êxtase e sono. As taças de plástico amassadas ainda escondem vestígios de suor e saliva comungados. A purpurina dos andróginos sorridentes foi diluída na multidão de rostos anônimos que entrecruzava olhares estreitos. Aos poucos a piracema se dispersou em bandos cansados de donzelas empiranhadas, pouco afeitas com o salto alto.
Ali, no chão de pedras lisas da praça, rodopiou a calunga. Súditos com fitas coloridas pendendo das cabeças e dos estandartes aguardavam a majestade.
Restos da indumentária de uma rainha espalham-se por entre os cantos batizados em sangue, urina e sêmen. Nem o mendigo estava mais no seu leito de ripas de madeira do banco fortuito, de onde pôde rir do doutor vestido igual a ele, mas ridículo sem a classe dos seus andrajos três-quartos.
A praia marulhava solta sem ser calada pelas explosões lançadas à noite no céu por pequenas embarcações iluminadas; rápidas constelações captadas pelo astrolábio indicavam a vinda da época de muda. O mar engole as crisálidas manchadas de clorofórmio e uma mulher, com seus parangolés fora de época e lugar, recolhe as últimas latas de cerveja para enfiá-las num grande e precioso saco. Esta manhã todos dormem e os gritos das úlceras ainda adormecem no tique-taque de bombas-relógio.