Ou: Dúvidas elementares de um leigo a respeito das coisas criadas
Vamos supor que Deus (sim, o Próprio) descesse à Terra nestes nossos tempos a fim de fazer uma avaliação crítica e ponderada de sua Criação, analisando friamente seus acertos e suas gafes. Não tenho dúvida alguma de que, ainda que tenha realizado grandes feitos e inventado coisas bem definidas e auto-sustentáveis – vide a couve-flor, a Polinésia Francesa e a Mariana Ximenes, por exemplo – Ele haveria de reconhecer a nulidade de algumas de Suas criações, tais como o tatu bolinha e a dor no dedão do pé. Sou até capaz de imaginá-Lo coçando o queixo, humilde e, como o João Ubaldo Ribeiro, dizendo que “nem tudo é perfeito nesta vida”…
Pode o leitor estar pensando neste momento, “qual a importância de todo este blá-blá-blá na minha vida, Cristo?”, ou algo parecido. Calma. Estou aqui para defender minha tese e quero ver se, no final, todos não estarão concordando comigo.
Apenas adianto que não serei capaz de enumerar, numa crônica, todas as reclamações que eu, modestamente, encaminharia ao Procom divino. Faço aqui, apenas, uma pequena listagem daquilo que eu chamaria de “coisas que podem ser melhoradas” e/ou “qual a razão de ser disto?”.
Talvez as minhas dúvidas não façam sentido algum ou, ao contrário, se encaixem naquele bordão do “tudo o que você sempre quis saber sobre… mas tinha medo de perguntar”. Comecemos, então, pelo pernilongo. Deus quis nos sacanear, só pode ser. Porque o rasante de um bichinho desses nas imediações do ouvido quando estamos prestes a pegar no sono é pra deixar qualquer um irado – e a ira é tão verdadeira que, muitas vezes, numa dessas atitudes desesperadas de dar fim aos malditos, desferimos tabefes no ar que, não raro, acertam nossas próprias fuças. A vida seria tão mais simples sem eles!
Será que as moscas não bastam? Estas, pelo menos, servem de alimento aos sapos. Que eu saiba, os sapos não comem pernilongo. Nem os sapos curtem o danado!
Agora, uma coisa que resolveria grande parte da minha vida seria o fim da afta. Por que a afta, meu Deus? Existe coisa pior (tirando o Bonde do Tigrão e o Monte Cinco, só que nestas Ele não tem culpa, então não vale) do que aquela ferida na gengiva, que não deixa a gente mastigar nosso torrone sossegadinho? Será que foi para evitar o pecado da gula que a afta foi inventada?
Também é passível de discussão a existência insistente, porém, inentendível, da unha. Ouvi de um amigo que a unha tem uma finalidade, sim, e esta seria a de proteger o dedo. Como assim “proteger”? É uma coisa meio nada a ver, pensemos. A gente corta, ela cresce. Sucessivamente. Pelo resto da nossa passagem na Terra, enquanto seres vivos! Dá pra entender? Certa vez, eu cortei o dedo de modo um tanto quanto trágico, e minha unha ficou prestes a cair. Quando finalmente caiu, já tinha outra embaixo. Que sem graça. Eu lá, esperando ver meu dedo nu, e uma camada estraga-prazer de unha já estava ali embaixo, na miúda, pronta para entrar em cena. Quer dizer, se você quiser arrancar sua unha custe o que custar, não pode.
A não ser que você tire todo o dedo fora, levando a unha junto. Mas uma mão com quatro dedos, socialmente, não teria uma aceitação muito amistosa, convenhamos. Portanto, amigos, tratem de cuidar, resignadamente, de suas vidas, de seus dedos e de suas unhas.
Poderíamos continuar por longas digressões, e nos esforçarmos para entender o gafanhoto, a Elke Maravilha, as Ilhas Faroe, a cãimbra e a jaca, mas não gostaria de me passar por chato ou excessivamente crítico. Tenho certeza que Ele não fez nada por mal. A não ser o pernilongo. O pernilongo foi sacanagem! Ah, se foi.