Todo dia é assim. Na ida para o trabalho, desço a ladeira de casa em direção ao metrô. Na ladeira uma senhora. Religiosamente todo santo dia está lá. No quintal. Regando e podando plantas e flores. Falando com gatos, cachorros e pássaros. Propondo um bom dia carinhoso. Carinhoso porque nem eu, nem ela, nos conhecemos. Não sei seu nome, não sei sua história. Apenas acenos e duas palavras: bom dia.
O bom dia dela é como uma fuga dos problemas que vou enfrentar durante o dia. Como aquela senhora pode ser tão agradável não me conhecendo? Pessoas como ela, fazem a gente viver. Ter cada vez mais vontade de respirar. Viver para contar histórias. Histórias para nossos filhos, netos, sobrinhos. Para quem quiser ouvir. Vendo aquela senhora de chapelão logo cedo no jardim, faz pensar assim. Ela deve ter muita história para contar à seus netos. Fora as que ela já diz aos seus bichinhos de estimação. Muitas histórias.
Eu penso. Muito. Quero ser pai. Quero poder contar minhas histórias aos meus filhos, aos meus netos. Quero ser como aquela senhora. Quero falar de meus romances, de meus jogos de futebol, de meus amigos, de meus professores, de minha vida. Quero poder contar quantas vezes fiquei ansioso, nervoso, alegre, triste e depois de refletir, dar boas gargalhadas. É assim. Quantas vezes não ficamos tão envolvidos em problemas que se resolveram? Depois, risadas.
Meses atrás na empresa que trabalho, houve um evento. Funcionários trouxeram os filhos para passar um dia na empresa. Diversão. Na hora do café, entre uma colher de açúcar e mexida na xícara, crianças correndo. Sorrindo. Nós adultos também. Fez então crescer entre os presentes na mesa lembranças. Lembranças de como eram as histórias de infância. Guris imaginando ser super heróis. Um até pensou ser o Pingüim, inimigo do Batmam e saltou do segundo pavimento da construção com o guarda-chuva aberto. Queria amortecer a queda. Levou bronca da mãe. Christiane, amiga de trabalho está grávida. Não passa um minuto sequer sem falar da barriguinha saliente. Vai dar muitas broncas no Augusto.
Quantas histórias. Domingo passado minha mãe veio me contar uma. Disse que uma senhora chamada Ruth havia falecido. Não conheço Ruth alguma, pensei. Mamãe fala dela sendo uma pessoa sozinha, sem família, que só tinha o jardim e os bichinhos. Desconfio. Pergunto onde morava. A própria. Dona Ruth não tinha família. Somente uma tia distante. Ela não contou suas histórias. Hoje, quando vou trabalhar, não recebo o bom dia. A casa está fechada. Trancada.