Queria não precisar fazer nada, só para ficar pensando na constituição íntima das coisas. Nas razões e nos fins. Por que isso? Por que aquilo? A vida tem tanto mistério. E quanto mais penso, mais difícil fica encontrar os sentidos. Há coisas que não têm explicações. Por exemplo, por que sentimos saudades? Do que é constituído esse sentimento? Mas será isso um sentimento? Saudade é uma falta. Logo, é algo inexistente. Vazio. Penso que é um abismo. Um túnel que atravessa o tempo e se projeta dentro do peito. Ou no estômago. Sei lá, é como uma boca aberta esperando ser alimentada. Aí, faz-se necessário comida e bebida para suplantar a carência. Sempre tentamos um paliativo, ou seja, suprir uma coisa com outra. Por que não suportamos os sentimentos em sua totalidade? Sempre sobrepomos uma coisa à outra. É a lei da compensação, ou como definiu e indefiniu Fernando Pessoa: “Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.
Na verdade eu deveria falar sobra a indefinição das coisas. Ou não deveria falar nada. Não deveria querer, também. Mas tenho dentro de mim toda a ilusão do mundo. Desejo mil coisas ao mesmo tempo. Bem, mil é exagero. Desejo, digamos, cem…. eu poderia até reduzir para cinqüenta o número de sonhos que desejo com a angústia da fome. Mas, a maioria deles, provavelmente, nunca virá. Estão inacessível à rota que foi traçada para mim. Há sonhos, também, escondidos em baixo do meu travesseiro, tão desconhecidos quanto os mistérios que envolvem a constituição das coisas possíveis. E, às vezes me vencem, me fazem desistir. Aí fico lúcida como se estivesse para morrer. Deve ser intrigante a lucidez da morte. Pensar que não há remédio, não há esperanças, nem a quem recorrer… são desígnios de Deus e ponto. Ponto final. Estamos todos sentenciados a isso. Então, para que nos empenhamos tanto em aprender, crescer… se não levamos nada deste mundo?
Muita gente ainda não sabe a razão. Para ser sincera, nem eu. Sei que alguns nasceram para conquistar o mundo. Outros nasceram para sonhar. São gênios para si mesmos. Têm aspirações altas e nobres, talvez até realizáveis. Filosofias à altura de Sócrates, mas sem a mínima possibilidade de tornar públicas suas idéias. Outros têm ideais políticos que poderiam abrir muitas portas, mas nunca abrirão, porque a eles não foram concedidos o dom da conquista. E sempre ouço alguém dizer: “fulano tem qualidades” ou “Ah, se fulano fosse de outra família, se pertencesse a elite…” e assim muitos “fulanos” morrem sem consciência dos seus talentos. Não foi assim com Van Gogh? Rejeitado por suas idéias religiosas, encontrou na arte uma forma de consolo para suas inquietações, mas não conseguiu vender suas obras. Amargou momentos de extrema pobreza até dar fim à própria vida. Vida casual que tornou-se célebre após a morte. Quero dizer, não havia mais vida. A sombra é que brilha como uma luz fúnebre até aos nossos dias.
Há muita coisa que nunca conseguiremos compreender. Por que pessoas que deram tão grande contribuição para o mundo morreram infelizes? E olha que são inúmeras! Às vezes penso que ser descontente implica em buscas e semeaduras que darão frutos muito posteriormente. Mas, ainda prefiro assim. É muito triste ser feliz. A vida torna-se farta demais, os sonhos sonhados tornam-se falsos e os realizados, perfeitos e vazios. É a existência humana tão complicadamente simples ou simplesmente complicada. Tantos mistérios, tantos desígnios… e no fundo a vida é sempre igual. Ou diferente? Para concluir volto a Fernando Pessoa que disse: “Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…”