Ecologicamente Sustentável, Economicamente Viável e Socialmente Justa

Isso estava escrito em um produto que, hoje, convencionou-se chamar de “orgânico”. Demorei um pouco a entender o que era. “Orgânico” queria dizer que todos os outros alimentos não o eram; seriam, portanto, inorgânicos como plástico, ferro ou chumbo? Talvez tenha sido uma palavra propositadamente escolhida pelos ativistas da ecologia, seus gnomos e anõezinhos de jardim, para que pensássemos justamente na oposição ao que aprendemos que seja orgânico, o verdadeiro. Interessei-me pelo caso. O vidrinho bonito, além do rótulo, estava com um livreto bem colorido em tintas e papel provavelmente reciclados. Nesse livreto é que estava a explicação: alimentos “orgânicos” são os produzidos sem utilização de agrotóxicos e outros venenos, portanto, fazem menos mal à saúde. Ou mal nenhum. Seriam alimentos produzidos por uma “agricultura orgânica” que, segundo o tal livreto, costituía-se de uma “agricultura ecologicamente sustentável, economicamente viável e socialmente justa”. Belas palavras. Quase comprei o café solúvel natural. Pensei na saúde e na justiça social e, comprando aquilo, eu estaria contribuindo para o futuro num mundo melhor.
Foi aí que uma senhora com um bebê no colo passou, acompanhada de seu marido desnutrido, reclamando do preço do quilo de arroz. Lembrei-me imediatamente do preço, tinha acabado de passar por lá: um real e dez centavos (mais ou menos meio dólar, para quem for ler este texto mais tarde – -sabe-se lá quanto estará valendo o nosso dinheiro e de que o estarão chamando!). E eu ali, pensando em comprar café solúvel – que chique! – e o pior: orgânico. Preço: seis e noventa. Com o livreto ainda aberto nas mãos, reli o inacreditável “economicamente viável” seguido do – mais incrível ainda! – “socialmente justo”. Economicamente viável para quem, cara pálida? Com certeza não era para aquela senhora que fazia contas pensando na carestia do arroz, o economicamente inviável e socialmente injusto, porque o ecologicamente sustentável (por quem?) custava dez centavos mais caro, só que vinha pela metade e não daria pra sustentar ninguém.
Comecei a olhar o restante da prateleira dos alimentos socialmente justos. Três fatias de pão num saco pela bagatela de três reais. Um pedaço de goiabada, feita com goiabas “orgânicas” (bem integral, com bicho e tudo), por cinco reais. E o açúcar? É, aquele que o povo usa todo dia pra adoçar o cafezinho preto, a única coisa que o estômago vê até a hora do almoço. Dois reais. Tudo por um mundo melhor! Socialmente justo!
Imagino um mundo só com esses alimentos. Acabar-se-iam as favelas, os meninos de rua, enfim, a pobreza exterminada em um mundo perfeito: cheio de alimentos orgânicos e todos podendo ter acesso às grandes descobertas genéticas, vivendo eternamente. Finalmente, o paraíso! Nada mais justo.
Alimentar-se de arroz, feijão e açúcar “inorgânicos” já não é possível pra muita gente, imagine se só existissem os produtos ecocaros! Acredito que a era da “naturebice” foi a grande sacada do monstro sist (como dizia Raul Seixas). O sistema descobriu o filão. Estou até pensando em adquirir uma franquia dessas lojinhas de produtos naturais e ganhar cinco reais num pedaço de pão! Dá pra comprar baguete à beça pra minha família na padaria do seu Manoel. Seria muito justo e economicamente viável. Para mim, é claro.
Eu não entendo disso, mas se o agricultor não usou agrotóxicos, isso significa que também não precisou comprá-los. O preço final não deveria ser menor? Ou passou a gastar mais com funcionários que ficam espantando os insetos das frutas? “Sai, bichinho; sai, bichinho”. Aí eu concordo que é socialmente justo, pois se gera empregos…

Filosoficamente, acho maravilhoso que a humanidade esteja buscando uma condição de vida melhor, ecologicamente sustentável, economicamente viável e socialmente justa. Mas, na prática, o que a gente vê é o capital aproveitando-se de toda e qualquer manifestação para gerar mais capital. O pensamento atual funciona mais ou menos assim: você vê alguém morrendo e já raciocina: “como posso ganhar dinheiro com isso?”. Depois é que se vai pensar em ajudar.
O mesmo acontece com esse negócio de “orgânico”, um nome criativo para se cobrar mais caro. Fico pensando se não haveria um adjetivo melhor. Pois abro o jornal e vejo que já tem gente pensando a mesma coisa. Vamos aguardar, pois agora a moda será a dos alimentos “funcionais”. São aqueles que funcionam pra se ganhar ainda mais. Compreenderam? Um nome mais justo e economicamente viável. Que acham?