Dia desses, juro, senti saudades da minha velha Olivetti.
Aquela sobre a qual escrevi, faz algum tempo, uma crônica, ressaltando suas virtudes e inconfundíveis méritos. E mais do que isso, agradecendo-lhe a honesta e doce parceria ao longo de várias décadas. Desejava, acima de tudo, recordar que, sobre seu acolhedor teclado, me debruçara, por incontáveis horas, confiando-lhe sonhos, segredos, angústias, e também momentos de alegria plena. Ao final, ela me entregava, em letra de forma, tudo o que meu coração lhe havia contado…
Uma crônica de despedida? Sim. Porque eu acabava de aderir ao computador. Cometeria, porém, u’a imperdoável ingratidão se, ao ingressar no mundo da informática, esquecesse, definitivamente, minha surrada Olivetti. Logo ela que me fizera conhecido como jornalista, e, na profissão, me ajudara a comprar o pão, enquanto exerci a advocacia. Não, não seria o computador, com sua arrasadora beleza, surpreendente precisão, e elegante sabedoria que me faria olvidar as modestas máquinas de escrever.
Comecei a digitar, embevecido e espantado com o que o micro, imponente e inteligente, me oferecia vinte e quatro horas por dia. Comprei dicionários e livros especializados para bem palmear os caminhos da informática. E, principalmente, iniciar as andanças pelos mares maravilhosos e insondáveis da Internet. Mares por mim, com certeza, nunca antes singrados. E fui me apaixonando. Meu novo amor. Tinha o mundo a poucos centímetros dos meus olhos. Informações à beça! Um ratinho muito esperto, ao ser tocado de leve, dava ao internauta calouro o que há tempos ele procurava.
Redação de textos e o correio eletrônico. Nestes dois programas concentrei minhas atenções, e lhes dispensei indisfarçável carinho. Pelo correio escrevo para conhecidos e desconhecidos, e, em questão de segundos, falo com os filhos, que moram muito longe. Me divirto bastante enviando e recebendo e-mails, mensagens algumas chatas -, e cartões virtuais.
Mas foi redigindo textos – como este que o leitor, neste instante, tem na sua janelinha -, que, diria, me realizei ao adotar o computador. Reescrevi velhas crônicas, rabisquei outras, dando a cada uma a feição e os contornos que o Word oferece. Até ousei enviar alguns escritos, que apelidei de crônicas, para um site amigo, que, generosamente, fê-los circular pelo mundo. Um milagre!
Deslumbrado, me esqueci que o computador é um bicho traiçoeiro. Veja o leitor o que aconteceu. Naquele dia, pela manhã, o power pifou. Meu computador, tão palavroso, de repente ficou mudo. Entrei em pânico. De uma hora para outra, me senti abandonado, distante de tudo e de todos; fora da Terra; numa insólita e inquietante solidão. Como se leva uma criancinha desacordada ao pediatra, botei minha CPU nos braços, e procurei o técnico. No caminho, insistia em perguntar: por que, afinal, meu computador silenciara. O quê de mal lhe havia feito? Dúvidas… dúvidas… desolação… pânico!
Pânico, não porque pagaria caro pelo conserto da máquina. Pânico porque podia ter perdido oitenta e três crônicas que o meu HD guardava. Talvez confiando na sorte, nunca havia me preocupado em botar meu trabalho em disquetes.
E o técnico, com ares de médico de UTI, após examinar a máquina, sentenciou: “A fonte, secou. Só outra. O HD, vamos lutar para salvá-lo”. Diante de tão desolador diagnóstico, quase chorei…. Tudo me pareceu irremediavelmente perdido. Diabo, por que não retirara, das entranhas do meu computador, as minhas crônicas? Inexperiência? Teimosia? Displicência? As três coisas: conclui, depois de um profundo exame de consciência.
Ah, minhas crônicas! Todas haviam sido engolidas, em silêncio, na calada da noite, pelo meu computador. Uma imperdoável traição… Foi aí que me lembrei, com saudades, da minha velha Olivetti…
* * *
Em tempo: Acabei de saber que o HD escapou. E que todas as minhas crônicas estavam à minha disposição. Que susto!