Cenas e uma Sexta-Feira Solitária

Desligo meu computador, pego minha bolsa e “até amanhã”, saio radiante do escritório depois de mais um dia de trabalho.
O pensamento de chegar em casa sozinha, sem ter ninguém para conversar, me incomoda, não sei por que, são tantos anos que moro sozinha… Tudo bem, tudo bem, acho que ando meio carente mesmo.
Paro no primeiro farol. Enquanto o sinal não abre, observo o casal no carro da frente. Sorriem, se beijam, parecem felizes. Finalmente a luz verde brilha e eu, rapidamente, mudo de pista e ultrapasso o casal. “Coisa mais brega ficar se beijando no sinal fechado”- penso com uma pontinha de inveja.
Mentalmente vou traçando meus planos para essa sexta-feira: tenho uma lasanha ma-ra-vi-lho-sa no freezer, deixo o regime de lado, sento no tapete, na frente da TV e me esbaldo. Que delícia não ter de dividir o prato. Tudo só para mim!
Mal tranco a porta, tiro as sandálias e vou catarolando até a cozinha, estou faminta.
Abro o freezer, vasculho, vasculho e cadê a minha lasanha?
Puxa, minha empregada comeu. Era só o que me faltava. Resolvo assistir a um pouco de televisão, comer uns biscoitinhos e depois pedir uma pizza ­ pequena, é claro.
Sento em frente à TV. Passa a novela das 8. Na tela, Vera Fischer é cobiçada por um garotão lindo, médico, rico, e também por um editor, dono de uma livraria, charmosérrimo. Aí já é demais. Sexta-feira, sem namorado, sem lasanha e assistir àquilo. Só mesmo em novela… Quer saber? Vou tomar um lanche no shopping.
Calço as sandálias e feliz rumo a um shopping perto de casa.
Sento-me numa mesa próxima ao elevador para observar o movimento
Então, sai do elevador com a camisa por fora do jeans, cabeleira revolta, ar despojado, um lindo rapaz. Eu, até então distraída, fico prestando atenção naquele deus loiro. Mas… ele vem andando em minha direção! Droga, estou sem óculos, não consigo ver se ele está olhando para mim.
Vem se aproximando, se aproximando e eu já com a respiração suspensa, até que ele pára na mesa em frente à minha, onde uma garota lia um livro de costas para ele, enlaça-a e começa a beijá-la. Ela se encolhe, olha assustada para ele e o repreende. Eu posso com isso? Só pode ser um complô para acabar com o meu final de semana ou me provar que ninguém é feliz sozinho.
Levanto-me indignada. Vou para casa. No elevador, mais casais em cenas de paixão explícita. Novamente entro na sala vazia, na minha sala, minha casa, minha vida, do jeito que eu sempre quis e lutei para conseguir.
A luzinha da secretária eletrônica pisca. Ansiosa, aciono a tecla e ouço a voz melancólica da minha irmã do outro lado da linha. Queria conversar, sentia-se só. Casada, três filhos, um cachorro, um marido e muitos dias de solidão.
Olho para o tapete, caminho indecisa até o cd player. Coloco um cd qualquer, a melodia preenche a minha sala:
“”Que solidão, que nada, você veio na hora errada, em que eu não te quero aqui…”