Tolerância Zero

A frustrada tentativa do brasileiro em dissimular a ignorância
Não tenho muita certeza se isso é bom ou ruim, mas as pessoas, de um modo geral, não costumam perdoar gafes de ordem, digamos, intelectual, sobretudo de gente do meio artístico, mais admirada por fatores estéticos do que propriamente pelo repertório cultural.
A Carla Perez, por exemplo, foi literalmente massacrada pelo fato de o hobby preferido dela ser “um azulzinho” muito confortável, suponho, e não o de viajar pelo mundo, por exemplo. Também foi motivo de chacota, sobretudo por parte da grande imprensa, a declaração da ex-senhora Ronaldinho, Suzana Werner, de que, por não estar achando muito agradável a leitura do livro do Jô, “O homem que matou Getúlio Vargas”, e sua preferência recair sobre obras de humor, ela iria começar a ler, muito em breve, “A Divina Comédia”, do Dante.
O Pelé, certa vez, fazendo as vezes de comentarista, me soltou uma frase bastante enriquecedora. Falando sobre as chances de uma determinada equipe na partida, ele colocou que a mesma poderia “tanto fazer como tomar um gol, ou nem um nem outro”. Ao lado do Galvão Bueno, eis uma dupla interessante no jornalismo esportivo do país, sobretudo quando o Brasil “É Treta! É Treta!” (tudo bem, eu sei que o Galvão só confundiu as sílabas,mas isso é tão antológico que vale o registro. Agradeço a compreensão).
No entanto, é importante colocar que, mesmo o mais sicrano dos anônimos também não dá o braço a torcer. É um fenômeno interessante esse que ocorre no Brasil. Ignorância, nunca. Todo mundo está sempre por dentro de tudo. Desde, é claro, que não entremos muito a fundo nas questões… Mas, usando um termo bem em evidência, tem hora que a tolerância zero parece pertinente e inevitável.
Lembro que havia em São Paulo, há algum tempo atrás, um programa de rádio em que se faziam alguns testes com transeuntes nas ruas, visando exatamente suas reações diante de questões sem sentido. Uma delas perguntava qual a opinião das pessoas a respeito da última grande contratação do Palmeiras: o excepcional ponta direita alemão Albert Einstein. Foi um festival de pior, impossível. Era nego dizendo que “agora sim, o Verdão vai com tudo”, outro que “já vi ele jogar, mas duvido que ele se adapte ao futebol brasileiro” e até um falando que “o cara é bom, mas sou mais o Evair”. E a nova medida econômica do governo, o cálculo renal? “Se for para baixar a inflação, eu acho válida, sabe…”.
Estudante de comunicação é outra coisinha triste também. Tem um texto do Zuenir Ventura, “O samba do diálogo doido”, do livro “Crônicas de um fim de século”, em que ele pega pesado. Sinteticamente, Zuenir diz que os aspirantes a jornalistas não sabem sequer o que perguntar ao entrevistado, não sabem com precisão o nome da obra do entrevistado, quando não o do próprio entrevistado. “Alô? É da casa do senhor Zoemir? Queria conversar sobre o livro 1964, o ano que não aconteceu…”.
Aliás, falando nos anos de chumbo, há histórias curiosas do período. Tem aquela de que a repressãoestava atrás de um cara subversivo do meio teatral, um tal Sófocles, outra de que queimaram “A Capital”, do Eça, imaginando ser a obra-prima do Marx…
Não, este texto não tem qualquer pretensão crítica ou de estímulo ao repertório. Essa bagagem cultural só vem mesmo com o tempo, não vai ser de uma hora para outra que será elementar a determinadas pessoas o fato de Bob Marley já ter morrido há alguns anos. “Morreu? Não acredito!”. Até porque, parafraseando aquela máximado sábio desconhecido, “cada um é cada um” e os interesses das pessoas se diferem muito. Posso gostar demais de cinema e conhecer toda a obra do Kubrick e, ao mesmo tempo, ser um alienado sobre esporte, do tipo “quem é mesmo esse tal de Roberto Ceni?”.
Agora, tenham ou não gostado do texto, por favor, não elogiem ou critiquem o meu “conto sobre as gafes”. Sou um aspirante a cronista e, portanto, isto aqui é uma (tentativa de) crônica. Crônica – explico – é o gênero literário que, no Brasil, se popularizou através de nomes como Luiz Carlos Veríssimo, Márcio Prata, José Ubaldo Ribeiro…