Otávio Vira Otário

Otávio tinha uma fazendinha perto de Tabuí. Um gadinho leiteiro, uns capados, porcos de cria, galinhada, cafezal e o diabo a quatro. A fazendinha sustentava Otávio. Acontece que a carestia pela região tava grande demais. Ninguém com dinheiro. Otávio não tinha a quem vender sua produção. E começou a faltar dinheiro pra tudo, até para a cachacinha, já que ele não era de ferro. Quando ia à cidade ninguém brincava com Otávio não. Tinha resposta pra tudo. Não levava desaforo pra casa. Escreveu não leu, pau comeu. Isso se já estivesse com a cachacinha na cabeça. Principalmente se fosse a Providência, a mais amada de todos. Junto com a Providência ele passava dias e dias na cidade, dormindo em qualquer lugar, comendo sabe Deus onde. Virava bebum. Em cada boteco e em cada esquina, como qualquer bebum que se preza, ele tinha lá seus conhecimentos. Ele e seu violão eram sempre bem recebidos pelos companheiros de copo. Mas com aquela carestia, faltava dinheiro para suas necessidades mais prementes, inclusive para a compra da branquinha.

Aí Otávio ouviu falar que em Bel’Zonte a coisa tava boa. Tinha dinheiro a rodo. Preço bom pra tudo quanto é produto agrícola. Quem fosse vender lá voltava com os bolsos abarrotados da bufunfa. Ele não precisou pensar muito para decidir. Juntou tudo quanto podia: leite, queijo, coalhada, lingüiça, pele de porco, lombo, pernil, ovo, galinha, frango, pato, café em coco, café moído, café torrado, abóbora, moranga, repolho, milho de pipoca, carne seca… Alugou um caminhãozinho meio derrubado e se mandou pra capital. Com motorista e tudo. Chegou lá sonhando com o rio de dinheiro que ia levar de volta. Mas Otávio logo descobriu que o negócio na capital tava pior que em Tabuí. Vendia nada do que trouxera. Foi ficando desanimado, desesperado, com as carnes apodrecendo no caminhão, o leite azedando, o repolho fedendo e o povo reclamando do mau cheiro de tudo aquilo. Para piorar mais, Otávio, traindo a Providência, para criar coragem, resolveu tomar uns goles de qualquer uma e começou a andar de zonzeira pela cidade oferecendo seus produtos e… nada! Ninguém entendia o sofrimento do homem.

A coisa começou a entornar o caldo quando Otávio entrou num elevador. Ia oferecer suas coisas naquelas salas chiques daquele predião danado, bem em frente ao local onde estava o caminhãozinho fedendo. Junto com ele, no elevador, um casal todo respeitoso. O homem, de terno e gravata e a mulher com um vestido chique e brillhoso, cheia de balangandãs, pulseiras e anéis de ouro, sapato de bico fino e salto alto.
Otávio dá uma manjada assim meio de trivela pro casal de braços dados que nem tomou conhecimento da sua existência. De repente ele sente uma necessidade braba. Tenta soltar um vento silencioso. Ressaca bruta. Intestino avariado. Erra o cálculo e faz um baita dum barulhão. Parece que tinha um alto falante no traseiro. O cavalheiro, aquele do terno, não só pelo barulho mas também pela fedentina de carniça, sobe nas tamancas e exige explicação:
– O senhor não tem educação? Fazendo isso na frente dos outros? Peidando na frente da minha mulher?
O Otávio, sem graça, humilde mas não submisso, não perdeu o fio da meada:
– O senhor queira discurpá eu, excelença! Acontece que eu num sabia que era a vez dela! Aliáis, eu nem sabia que tinha que entrá na fila pra peidá aqui na capitá!… Inté!
Saiu de fininho na primeira parada do elevador. Desceu as escadas e quando chegou perto do caminhãozinho notou um movimento estranho. Cheio de gente em volta e o motorista brigando, chutando gente e gritando. E o povo em coro: “Fora, fora com a carniça! Fora, fora com a imundiça!” Polícia tava rodeando igual mosca varejeira. Aí chegou a imprensa. Televisão, rádio e jornal. Tudo de uma vez. Otávio até entrevista na televisão deu. Falou mal do governo, xingou aquele povo que não tinha o que fazer e perguntou o que a polícia tava fazendo ali se ninguém tinha matado, ninguém tinha morrido e ele tava ali só porque queria vender seus troços, seus trens, para não passar fome. Falou até do boato que corria lá em Tabuí de que a grana andava solta em Bel’Zonte e ele viu que era nada disso. Povo da capital também tava lambendo beira de penico. Foi uma entrevista comovente.
Otávio voltou pra casa com o rabo entre as pernas não sem antes vender o que ainda prestava, a preço de banana, para um espertalhão. Puto da vida, com os bolsos vazios e prejuízo grandão. Quando chegou a Tabuí, todo mundo já sabia da sua história. Viram-no na televisão. Mas quando mostraram para ele o jornal, ele não conseguiu deixar de xingar pedra noventa pra todo mundo ouvir. A implicância dele foi com o que leu na manchete: “OTÁRIO PERDE SUA PRODUÇÃO EM PLENA RUA”.
– Cambada de fedaputa! Além de me dá prijuízo, ainda erraro no meu nome!